Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Corredores (uma sugestão de carta apaixonada.)

Querida (o),

Eu corro em minha vida. O tempo todo. Tanto que velocidade já foi emoção. Hoje é rotina. São tantos os porquês de correr que esta vida já não me parece nada mais que um lago profundo na superfície do qual eu preciso correr o mais rápido que puder para que a gravidade, perversa, não me afunde em suas profundezas e eu me torne âncora para o sentir.

Eu corro do pessimismo alheio. Não o suporto. O meu? Continuo fingindo que não o tenho. Corro do odiar e desse sim posso falar com sinceridade. Não sei odiar, nunca soube. Acho que é porque eu sei que ódios, no fundo, são amores imperdoavelmente rejeitados. Eu não sei não perdoar. Eu corro de preconceitos, todos os dias. Porque é bem mais petulante do que eu posso suportar julgar amores ou sentires. Eu corro do meu passado e eu corro rápido. Corro também de algum futuro, talvez devagar demais, me parece.

Corro para ti. De dias cinzas, de hojes. Desses gritos ensurdecedores que não param de vir. Não param de jeito nenhum. Corro rápido demais. E ainda é devagar. Quando mentiras se tornam verdades, quando eu já cansei de correr só, quando o brilho dos teus olhos já apagou toda estrela, é quando eu corro para ti. Quando o mundo inteiro corre rumo ao desastre eu dou a costas e corro para ti. Porque esse amor é única verdade que eu vejo ao redor, por isso é que corro, e corro para ti.

Eu corro e, por isso, não se importe com a distância. Eles tem carros, aviões, navios. Mas eu corro para ti. Do que eu era sozinho e para o que somos juntos. Corro disso tudo e, ainda, queria voar. E se demorar? Só saiba que já estou indo, e espere, por favor. Quando estar só doer demais, dê mais uma lida nestas palavras. Minhas palavras são meu disfarce, me mantém sempre escondido perto de ti, por elas eu posso dizer que estou bem aqui do seu lado. É assim que as milhas de distância entre nós acabam me pondo bem do seu lado.

Continuo correndo, correndo para a vida que, sabemos, já é nossa. Corro porque ainda tenho muito para te dizer. Mas as palavras que faltam, esgotaram todos os idiomas dessa Terra e não se encontram em nenhum deles. Já não há fonema capaz de expressa-las. As palavras que faltam só o toque das minhas mãos é que pode te falar. Palavras que gritam de amor, sem ruído algum. Corro por que o toque dos meus lábios já não suporta mais encerrar as verdades contidas nos meus beijos guardados. Corro quando riem de nós e, mais, rio junto. Porque sabemos quem nenhum deles jamais se sentiu assim.

Eu corri. E ainda hoje corro. A diferença é que hoje eu só corro para ti. Corro porque vamos dançar até morrer. Juntos vivemos para sempre. Corro porque este foi nosso ultimato ao destino, nos deixe morrer jovens ou viver para sempre. E para sempre ele escolheu. E porque já  sei que o meu mundo nunca mais será o mesmo, porque a culpa é toda tua, é que corro. Corro porque na verdade já estou chegando. E, juntos, podemos tudo. Corro porque essa já é minha rotina. E, eu sei, somente tu podes sacudir meu mundo. Tenho-te em minha frente, e é o fim de qualquer rotina. Porque é quando tu estás aqui, quando eu já cheguei, que toda correria cessa. Não há outro jeito. Tu aqui e eu ficarei para sempre imóvel para capturar cada centímetro nesta memória insuficiente. Você aqui e eu, finalmente parado, tenho a certeza de que, pela tua simples presença, enquanto corredor que sou, eu poderia correr bem mais que uma volta ao mundo. Sim, correria. Só, por favor, me espere, estou a caminho. Caminho.

Lucas.

"tu disponível, e noite chuva. Hoje tá tudo perfeito. Hoje podia durar para sempre",

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Isqueiros



[just gonna stand there and watch me burn/ but thats alright because I like the way it hurts/ Just gonna stand there and hear me cry/ but thats alright because I love the way you lie/ I love the way you lie.]

[ (...) é sobre o prazer do cansaço dolorido que vou falar. todo prazer intenso toca no limiar da dor. O sono, quando vem, é como um leve desmaio de amor. Morrer deve ser assim: por algum motivo estar-se tão cansado que só o sono da morte compensa. (...) ] Clarice Lispector


Não! Por favor, não pare. Mas eu estou te machucando. Eu sei, só que é maravilhoso o jeito com que isso dói. Você sabe que é doente, certo? Sou sim, positivamente patético. É ridículo se deixar levar pela dor assim dessa maneira, ninguém deveria se entregar tão cega e passivamente a um sentimento só. Quem é alguém pra dizer o que outro alguém deve ou não fazer? Somos só matéria, só essa massa sensorial indiferente. Eu prefiro mesmo doer. Admito. Me ajuda a confirmar que ainda estou vivo. Tu não precisas confirmar que estás vivo, eu te garanto que sim. Quem me garante que tu mesmo estás, ou que não mentes? Por favor, agora já chega, não vou continuar a te machucar. E dizendo isso ela abaixa o isqueiro pequeno de motoqueiro com que queimava a palma da mão do outro. Eu não mandei parar. Mas eu não entendo o seu fascínio pelo fogo. Não há o que entender, eu mesmo não entendo, apenas sinto. Dor? Não é dor, embora seja. É antes beleza e, por isso, dor. O que é belo machuca? É claro. Não compreendo. Olha o fogo. É disforme. Dançante, livre, aleatório. Elegante e, embora quente, frio, impiedoso, avassalador. É terrivelmente belo. É uma catástrofe abençoada, é a glória da destruição. Isso me soa familiar. Somos todos fogo pros que nos rodeiam, o fogo é você. A menina reacende o isqueiro e o levanta à altura dos olhos por um segundo entende o garoto, e o fogo. Por um segundo ela entende que são um só. O fogo e o garoto. Fogo e oxigênio. A meta e o jogador. Entende, mas logo esquece. Quase que imediatamente. Resta apenas aquela leve impressão de reconhecimento, de quando se encontra um antigo colega de infância do qual se têm apenas a vaga impressão de já o ter visto. O menino retoma o isqueiro e volta a queimar a mão. Sua expressão é doentia como a de um viciado. A garota sente pena. Ele está agora de olhos fechados. As lágrimas escorrem. Sua expressão é pura dor, o rosto contorcido. Ela nunca vira tanta miséria. Ela olha para a fonte de tanta tortura. O isqueiro. Ele brilha, prateado. É uma prata limpa, bela. Ela o está admirando por alguns segundos quando a percepção a atinge em cheio. Os soluços continuam, cheios de dor. Só que o isqueiro jaz agora apagado. Viciado na dor, o garoto só quer sentir. Ele abre os olhos. Olha nos olhos da menina. O fogo me faz entender nós dois. Me faz entender, que eu amo o jeito como você mente. Amo o jeito sádico do fogo de me consumir, tecido por tecido. É dor pura. É simples existência. Pura experiência. Vocês, isqueiros, são lindos.

domingo, 28 de novembro de 2010

Sobre lâmpadas e sóis.

“ para vermos o azul olhamos para o céu. A terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul.” Clarice Lispector

“I dont want to be the girl who has to fill the silence. The quiet scares me cause it screams the truth”. Pink.

Desligou o sentir. Havia desistido, há muito, da pálida ilusão que é o amor, daquela mísera áurea vagamente luminosa e absolutamente insatisfatória. E, só agora, no entanto, havia se dado conta de que, provavelmente, era melhor desligar o interruptor da luz que ele não mais usava há já tanto tempo. A conta podia vir cara. Tanto que ele havia acreditado num sentimento grandioso, movedor de montanhas; num sol poderoso; em estupendas explosões de bombas de hidrogênio potentes para iluminar galáxias inteiras de amantes. Tanto que ele havia acreditado, tão grande fora sua queda na descoberta da “verdade”. Descobriu, a custo de muita dor, que haviam luzes de força muito maior. Descobriu que embora o amor prometesse tanto, era tudo uma questão de perspectiva. O amor, uma vez que não esteja mais sozinho, e sim, como está na realidade, rodeado de interesses e sentimentos, não passa de uma mísera lâmpada incandescente em meio a uma Times Square de néons sentimentais. Em perspectiva o amor é luz obsoleta.

Desligou, portanto, o sentir. Abriu o circuito para que a energia já não completasse seu ciclo doentio de dor e desilusão. O hábito tornou-se seu mestre. Viveu sem sentir, pilotado automaticamente, num robótico frenesi de repetições cotidianas. Suas quedas, o hábito amorteceu, é bem verdade. Só não lhe ocorrera que não sentir implicava também em perder a vantagem da dor como aviso e sintoma. A dor do despedaçador estrepar-se no chão pós-queda; a dor de alma queimada na fogueira; essa dor era sempre anúncio oportuno de perigo, a dor que delatava a doença, a dor providencia dos enfermos, apaixonados. Agora vivia sereno, é claro, mas em constante perigo de vida. Podia estar morrendo sem saber ou, pior, podia estar, no breu do inconsciente, no sujo dos covis secretos da alma, completa e perdidamente apaixonado. Mas não! Protestava o grande teatro interno de sua consciência, querendo convencer a todo custo da inexistência do sentir. Inadmissível, insuportável, inapropriado e, ainda, desesperadamente desejado esse tal de amor.

E aí está. Tudo ruíra. Está tudo posto a baixo. Admitira a si próprio o desejo pelo sentir, condição imediatamente destruidora do estado anestésico que tanto lutara para construir. E é por isso que o não sentir duela consigo próprio, é seu maior apego e maior rivalidade. É seu próprio arquiinimigo, é o maior risco e o maior traidor de si mesmo. Uma vez cessados os gritos do amor, uma vez ele vencido, é preciso cuidado, um cuidado que o rapaz não tivera. É que o calar do sentimento, tão avidamente procurado, assusta justamente porque o silêncio sempre grita a verdade. Ele está sempre a plenos pulmões na muda, ensurdecedora tentativa de não nos deixar esquecer as verdades que tão cuidadosamente escondemos de nós.

E, fantasias anestésicas postas por terra, o rapaz está livre para se permitir encher de esperança novamente. Não que ele tivesse escolha, não que agora ele não estivesse em risco permanente de vida. Não que agora felicidade e medo não tivessem se unido num matrimônio escandaloso para tornar o seu cotidiano pura emoção e risco. Não que agora, mais uma vez, seu oxigênio não fosse o não respirar, que vácuo permanente em seus pulmões não fosse a maior das alegrias na sua busca frenética pelo ser amado. Porque isso tudo era verdade. Amor, e disso o rapaz sempre soubera, é suicidar-se continuamente, é pousar a mão deliberadamente sobre o nariz e extinguir a passagem de ar, é sentir-se assim, desmaiar já sem fôlego restante e acordar já numa outra vida, de outras sensações. É que, quando um mísero silêncio, rompe com sua própria natureza muda e se faz ouvir no meio das tantas sinfonias ensurdecedoras, pra gritar um amor qualquer, você sabe que também um simples ligar de interruptor pode fazer uma mísera lâmpada incandescente brilhar mais que os dez mil sóis de uma galáxia.

domingo, 21 de novembro de 2010

But still, you said forever


[if someone said three years from now/ you would long gone,/I'd stand up and punch them out /cause they're all wrong/ I now better/ cause you said forever..]

[when someone said count your blessings now, for they long gone/ I guess I just didnt know how/ I was all wrong/ they knew better/still, you said forever// ]

Bani-te de meus sonhos. És agora uma habitante indesejável, e ainda, ninguém mais eu queria enxergar ao fechar os olhos. Mas nem importa, porque banida estás. Que eles me levem a sonos mais tranqüilos agora que não mais presenciam nosso encontro de tornado e vulcão. Agora sonho com mares calmos e abertos. Pena que me acostumei aos maremotos, hoje morro se não me afogar diariamente. E tenho ressuscitado diariamente. Todo esse oxigênio livre e disponível tem-me sufocado. Antes as águas salgadas dos teus males a mim, deliciosamente me queimando os pulmões. Ah, se eu pudesse...Mas Não! Bani-te pra sempre.

É que não posso perdoar. Eu quis matar a todos os que nos condenaram a um fim. Em três e trinta anos ainda meu vento estaria a soprar a tua lava e do frio de meu sopro em tua lava teria nascido essa rocha sólida. Eles estavam todos errados, quem sabia era eu e gritei pro mundo ouvir.Porque tu disseste “pra sempre”. E bastava. Ava.

Eu estive sempre tão seguro que aquele amor estava ali guardado comigo, aonde quer que fosse, que quando vieram novamente as profecias de fim que eu não suportava ouvir, não tive medo. Disseram “devias checar esse amor, porque as benção já ficaram para trás”. E eu acho que eu só não soube o que fazer, estava na verdade tudo vazio. Levaste tudo. Eu estive completamente errado. No fim, eles é que sabiam, mas ainda assim, é que tu tinhas dito “para sempre”.

E é por isso que estás banida. Nos meus sonhos agora reina a paz. Mas ainda assim, porque, meu deus, é o inferno e a agonia de te amar que desejo enxergar a cada vez que fecho os olhos? Vai-te daqui. E, ainda, volta e me põe no colo. Nunca mais ouse me olhar nos olhos, mas por favor, faça de mim um homem, todo santo dia nessa junção etérea de nós dois. Quando os meus incontextos começam a ser meu único sentido, eu sei que falhei. Nós não fomos pra sempre. Não fomos primeiros. Já não há como e, já sei, não seremos últimos. Eles é que estavam certos, era neles que estava a verdade. Eu, errado. Mas, ainda, tu tinhas dito “pra sempre”. Eu, errado.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Slow down, you crazy child.


- Let us die young or let us live forever,

Mãe,

Perdão, mas não pude esperar. A espera tem muito de expectativa e pouco demais de experiência. Me fartei de criar meus medos a pão-de-ló, envenenei a todos. Homicídios frios e calculados. Talvez encontres seus cadáveres inúteis, vítimas de cicuta, nas palavras vazias que escrevi, espalhadas nos papéis avulsos de minha bagunça. Agora? Eu corro. Não sei voar, mas andar já me deixava mais distante do céu do que me é suportável. Corro porque não caibo em mim. Porque preciso me gastar pra que não transborde o meu eu. Corro, porque tenho pressa. Porque a eterna juventude não pode e nem quer me esperar; só correndo posso alcançá-la. Corro porque quero esse frescor batendo em cheio em meu rosto. Porque quero tragar com força esse ar pulmão à dentro, porque quero esse barulho de tempestade para a trilha sonora de minha vida. E por que corro, não tenho mais tempo de dizer nunca. “Nuncas” pressupõem justificativas, e estas demoram demais para caberem em uma juventude. Escrevo para dizer-te que vou vivendo assim mesmo. Sem olhar pros lados, porque quero meu rosto dourado virado para o sol. A senhora consegue imaginar? A vitória dessa corrida? Glória pra quem correu. E então, as aventuras que não puderam acontecer hoje, as canções que eu esqueci de cantar, esses sonhos que andam vagando à espera de quem os adote, deixaremos que sejam paridos por nossos feitos.Mais uma vez, perdão. Mas não esqueça, eu te amo. Só não pude esperar, eu não me permiti. É morrer jovem, ou viver para sempre.


-You’ve got your passion, you’ve got your pride. But don’t you know that only fools are satisfied? Dream on, but don’t imagine they’ll all come true. When will you realize? Vienna waits for you,

Filho querido,

Não pense que condeno tua pressa. Não. Não serias o meu menino sem ela. Mas verás que a eterna juventude já reconheceu teu mérito e, cedo ou tarde, estará esperando-te com o prêmio, honrada por te entregá-lo. Não te esqueças que eu conheço teus sonhos. Foi em meu colo que teu sono os forjou. Eu me lembro da metrópole que sempre os habitou, e nunca me enganei. Sempre esteve comigo, a certeza de que nada menor te bastaria. Fui egoísta, confesso. Temi por mim e não por ti. Temi a dor de não te ter. De te perder para o mundo. Mas minha tutela sempre foi provisória, um favor que a vida fez e que eu, não tenho vergonha em admitir, aproveitei com a intensidade de quem tem alguns anos pra viver a eternidade. A tutela que era provisória, agora é esporádica, pois podes ter certeza este abraço não cansa de abrir para ti.
Mas criança, vá devagar. Respeite os seus medos, pois não mataste a todos. Ou achas que eu não consigo ver que os olhos assustados do garotinho nas madrugadas de pesadelo, escondem-se por detrás dessas pupilas deste homem tão distinto e perspicaz em frente a mim? Quem corre demais pode tropeçar, ou exaurir-se antes da metade do caminho.Tu não podes ser tudo o que queres apenas no intervalo de um passo e outro, tu não precisas. Tens toda uma estrada para mudar, e não te preocupes em se perder, porque o caminho certo é o que escolheres. Diminua, sem medo. Pare para divagar. Permita que corram contigo, e aprecie a vista ao redor. Você está indo bem, só precisa aprender a importância de se deixar perder um dia ou dois. Correrá mais rápido, na volta. Tenho em mente que provavelmente serei acusada de ser um clichê, mas mães, graças a deus, continuarão sendo sempre clichês. Por isso, não há vergonha em dizer-te que, o que é teu já está guardado. E podes pegar o que quiser para ti, por isso não corra tanto. Quando é que vais perceber? Aquela metrópole sempre esteve esperando por ti.

Com amor,
Mamãe.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

BleedThePainOut

"In the night, I hear them talk, coldest story ever told. Somewhere far along this road he lost his soul to a woman so heartless". Kanye West

*para ler ouvindo "Heartless" na versão acústica do The Fray, neste link: http://www.youtube.com/watch?v=0yNU4SmQcHo

O sino da porta tocou. No susto, derrubei o prato que lavava com um estrépito alto. Ninguém pareceu ter ouvido. Olhei em direção à porta para esquadrinhar quem é que havia entrado. Qual não foi a minha surpresa ao perceber a figura recém adentrada àquele recinto?! Ele destoava por inteiro de qualquer átomo daquele local. Aquele bar velho, malcuidado, úmido e pouco iluminado era sempre cheio de velhos aposentados em depressão, alcoólatras em depressão, donas de casa cinquentonas em depressão porque não pegam mais ninguém, caminhoneiros em depressão por conta da melancolia e solidão da estrada, administradores de meia idade que são infelizes na carreira por terem-na escolhido em busca de dinheiro e terem abdicado de qualquer vocação ou sonho que tivessem. Enfim, aquele era um bar dos que desistiram. Aquele era o império do eterno lamentar, o país dos que já perderam, a terra de quem não tem vez, nem nunca terá.
Aquele rapaz que acabara de entrar, no entanto, representava um contraste acachapante com toda e cada célula e ser vivente daquele lugar. Não me admirei com o fato de não ter sido eu o único a me chocar com aquela presença tão incomum. Bêbados que dormiam, esquecidos de viver, acordaram como se aquela áurea pura de quem ainda tinha esperança, e cuja força ainda estava intacta, os tivesse atraído para o lado de fora do seu estado de torpor, dormência, inércia. As velhas cinquentonas todas, empertigaram-se nas cadeiras do balcão, ajeitando cabelos e perfumando-se, retocando rapidamente a maquiagem, como que num ritual patético e masoquista de quem, embora há muito já tenha desistido, está há tempo demais mecanizada com os velhos e péssimos hábitos.
O rapaz era muito bonito. Um jovem homem de não mais que vinte e um anos. Seu rosto era o rosto suave de quem não havia sofrido muito na vida. Era de estatura mediana, robusto. Vestia-se impecavelmente bem e via-se com evidência os traços e feições de quem foi bem cuidado e amado na infância e na adolescência não distantes.
- Barman, por favor! – disse ele com uma voz bonita, amaciada, mas firme e marcante. O tom era educado, mas notei uma nota de tristeza inconfundível. Aproximei-me por detrás do balcão, atendendo ao seu pedido.
- Pois não, em que posso ajudar? – respondi.
- Eu gostaria de uma dose de uísque, oito anos, e de um canivete, se você tiver, por favor. – Agora que me havia aproximado, podia notar. Ele andara chorando. O rosto que ainda preservava traços infantis, guardava uma tristeza pura, sincera, simples e compreensível. A tristeza de quem não corre atrás de sofrer, que sofre porque sofre e não de quem, como tantos ali, buscava a tristeza desesperadamente. Não, a dele não era, em definitivo, a tristeza teatral, pesada, anciã de velhos experientes que sangram somente para se certificarem de que ainda vivem.
Levei-lhe o uísque, sem gelo. Ele agradeceu. Saquei o meu velho canivete de dentro do bolso do avental e entreguei-lhe em mãos. Eu estava consciente de que cada olho naquele recinto encarava fixa e ansiosamente o rapaz. Ele parecia alheio do mundo inteiro ao seu redor. Ele virou o uísque e o bebeu num só gole de uma só vez. Para a minha surpresa não houve careta, não houve espasmo. Era quase como se a dor que lhe incomodava neste momento, qualquer que fosse ela, era muito maior do que se podia supor ser suportável para ele, que não era mais que um rapaz, tanto que uma dose de uísque não representasse algo comparável. No momento em que ele abriu os olhos, eu vi um homem desabar. Não me entendam mal, não fiquei chocado. Pelo menos algumas centenas deles já haviam desabado na minha frente, naquele balcão. Só que dessa vez, foi triste demais. Dessa vez não era um bêbado velho, um executivo de meia idade em depressão ou uma velha senhora patética. Dessa vez era um belo rapaz, jovem, bem cuidado. Dessa vez, me entristeci, porque dessa vez, eu vi que o meu costume de ver a tristeza em quem a merecia, me havia fechado os olhos. Eu estava chocado, por finalmente ter visto que a tristeza não tinha preconceitos. Era para todo e qualquer.
O rapaz olhava em frente, de rosto levantado. O olhar fixo em fúria, ao passo que lágrimas constantes escorriam-lhe, teimosas, pelas maçãs rosadas do rosto. Sua face era só contradição, pois eu jamais imaginara que alguém capaz de tamanha ferocidade no olhar pudesse derramar uma lágrima que fosse. A dor dele repentinamente, tornou-se cristalina para mim, só porque apesar de toda a beleza, o bom cheiro, a pouca idade, a dor dele era a mesma de cada um ali. Via naqueles olhos jovens, a dor de quem amava só. A dor que de quem amava sem porquê. Eram os mesmos olhos das almas preteridas que todo o dia me choravam mágoas seculares. Eram os olhos da raiva de quem foi trocado. De quem não foi o Um. De quem foi só o segundo melhor, de quem não foi capaz.
Abriu o canivete. Eu temi pelo que ele fosse fazer, mas não ousaria interferir.
- Não quero mais ouvir. – disse ele – Não posso mais viver dessa maneira infiel. Não és pela metade, és inteiro e quero o que és. O que podes ser para mim, já não basta. – Dirigiu o olhar para mim, mas eu sabia que o que lhe saía pela boca estava endereçado a outro par de ouvidos os quais, eu também sabia, jamais o ouviriam. – Eu não sei mais respirar, mas por enquanto vou vivendo mesmo sem ar. Porque esse ar que tu respiras me é agora veneno. E porque ar não me interessa se já não é a tua respiração quente sobre mim. Tu não podias. Mas pôde. Perdão. Desculpa a minha desumanidade, mas eu te amo e não posso te perdoar, não consigo. Acho que nem quero. Para todos os efeitos, no entanto, fica dito que eu não sei esquecer. – essa ultima frase foi dita com uma amargura sem igual. Tirei os olhos dos dele. Algo que pingava chamou minha atenção. Olhei para o balcão, ele tingia-se de um vermelho escuro, brilhoso. Era um tom hipnotizante, eu tinha que admitir. Busquei a fonte de tanta cor. Achei. O meu canivete encontrava-se espetado na palma aberta da mão de um rapaz belo e triste.
- Mais um uísque, mais um canivete – pensei.

terça-feira, 13 de julho de 2010

TomorrowIsMyTurn


“Tough some may reach for the stars, others will end behind bars. What the future has in store, no one ever knows before. Yet we would all like the right to find the key to success, that elusive ray of light that will lead to happiness”. [nina simone]

“Suddenly I see, Suddenly I see, this is what I wanna be. Suddenly I see, why the hell it means so much to me?” [KT Tunstall]


- Estou cansado, sabe?!
- Mas você nem foi hoje ao trabalho..
- Mas me cansei. Não te agüento mais.
- Você não pode ver-se livre de mim. Estamos mais ligados do que você pensa.
- Eu bem sei de nossa ligação, e é por isso que a interrupção não será gradual, sem dor. Será abrupta e dolorosa, que é como são todas as mudanças significativas.
- Eu não vi essa epifania vindo. Porque raios isso agora? Porque não te faço feliz?
- Mestres em potencial cansam de serem pupilos. Borboletas de serem lagartas, Cisnes de serem patinhos feios. Árvores de serem mudas. Homens de serem garotos e mulheres de serem meninas. Belos textos de serem palavras desconexas, Milagres de serem orações, Tornados de serem sopros, sinfonias de serem dó-ré-mi, grandes aventuras de serem idéias engraçadas. Assim eu também, por minha vez, cansei de ser você.
- O que te faz pensar que és melhor que eu? Que seria evolução e não vergonhoso retrocesso deixar de ser eu?
- Nada em especial, mas tenho que pensar assim para que as coisas ganhem algum sentido. Só sei que cansei de ti, do cara gente boa, mas de quem ninguém lembra. Cansei do bom rapaz, de quem todos esperam o melhor mas a quem não param de magoar. O bom rapaz não me faz mais feliz, ele não cansa de apanhar. E pra mim já não vale à pena.
- De fato, não deixas de ter razão. Tu cativas a todos e os retém em mãos. Consegues acalmá-los e eles sentem a tua falta. Tu realmente preenches cada canto e ocupas espaços dos quais não sou capaz.
- É, aprendi contigo a chamar as atenções pra mim, ao ver teu completo insucesso na tentativa. Aprendi ao te ver errar e errar.
- Ao menos te fui útil.
- É claro que foste. Sem ti não poderia ter amadurecido e valorizado tudo de bom o que tenho. Tudo o que sei agora, no entanto, é que hoje é a minha vez. Receber sem ter dado, glória sem suor. Nem dúvidas, nem medos. E o futuro? Me pertence. É, estou mesmo banindo humildades forçadas, é para ser feliz que cheguei aqui. Agora é outro verão, fica e arrepende-te sozinho do que não fizeste, porque o que passou não mais será. Isso tudo é o que eu sou, Não vou parar.
- Só cuidado, não vá atropelar alguém nessa corrida desenfreada.
- Levo algo de ti, não te preocupes. Não sei machucar ninguém, só que foi-se o tempo em que te arrancavam pequenos pedaços, cada qual causando-te uma pequena dor. Ninguém vai levar o que eu sou.
Aquela a conversa terminou. O belo rapaz, impressionantemente confiante, de fato chamava a atenção. Hoje encheria os olhos de todos que para ele olhassem, transpirava resolução, confiança. Era o que qualquer um quer. Ele terminou de se vestir, e deu um ultimo adeus ao rapaz triste e murcho que o olhava do outro lado do espelho, esperava jamais voltar a vê-lo. Apagou as luzes e deixou o quarto em que havia estado completamente só.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O jardineiro


Ele: Eu gostaria de ir embora, por favor.
Ela: Não, ainda é cedo. Te quero comigo.
Ele: Não há nada que eu queira mais do que passar a eternidade neste quarto, acredite. Mas não posso querer isso, não devo.
Ela: Claro que pode, é tão bom.
Ele: é bom, mas é macabro. É delicioso, mas torturante.
Ela: Não para mim, nunca fui mais feliz.
Ele: Eu achei que bastasse, mas nem. Me chame de egoísta, mas meu amor por ti te quer só para mim. Qualquer outra opção é insuficiente, amarga. Não se preocupe, amo-te bem mais que a qualquer outra em minha vida. Mas não suporto mais, a angústia da eterna pergunta que me faço a todo o momento. Estou entre os teus pensamentos, ao menos às vezes?
Ela: às vezes, sim. Mas tenho andado muito ocupada.
Ele: Não te cobro nada. Nem ouso dizer que te esqueci, que vou prosseguir sozinho, porque não vou. Não posso. Não consigo. Te amo a cada dia de uma outra maneira e cada nova maneira traz um aspecto novo de ti pelo qual me encantar. Te preciso aqui desesperadamente agora, mas não precisa ficar. Aliás, não fique. Não posso mais conviver com esse meio-amor desavergonhado que me propões. Não te quero, não te posso pela metade.
Ela: Eu não posso te dar mais. É tudo o que eu tenho. E Não acredito em ti, não és capaz de deixar de me amar.
Ele: Não estás me ouvindo? Não tenho essa pretensão, já vai longe o dia em que me tornei refém desse sentimento. Já tentei não te ligar, mas perdi o controle. Porque sempre te preciso agora. Nunca te tenho, porém. Não ligue pra mim. Estou um tanto bêbado, mas não esqueço que tiveste teu tempo pra escolher. E eu? Já não tenho nada a perder. Te amo, mas não te tenho. Tirar-te da minha vida não fará assim tanta diferença. Teu amor finge, e se orgulha. Mas jamais me enganaste. É só que, me bastava ter-te em ilusão, ter-te em mentirinha. Era só que te ter era meu oxigênio, te ter amando-me não me pareceu tão mais crucial que ar puro.Todos os dias respiramos em poluição, mas vivemos . Agora? Não, não pense que o amor diminuiu. É só que é grande demais para caber na tua mentira. É cruel demais comigo ignorar esse grito de dor constante.
Ela: Sinto muito. Não posso mentir para mim como menti para ti. Não sei trair-me assim.
Ele : Eu sei que não, estás certa. Seja feliz. Preciso disso. E não te esqueças, eu te amo, como sempre e estarei aqui pro caso de me quereres por inteiro. Esse amor, dói saber, poderia ser para sempre. As rosas também, mas alguém quis que logo morressem. Assim como quiseram o teu amor por mim.
Ele levantou-se da cama, e encarou-a pela primeira vez desde o início da conversa. Ela pegava uma bebida do frigobar. A última lágrima caiu, ritualística, no assoalho de carpete do quarto. Deixara uma mancha pequena. Não se preocupou, a mancha secaria dentro em breve. Ele vestiu-se enquanto ela tomava banho. Uma resignação nova o açoitava em direção a um novo rumo. Pagou a conta antes de ir, e deixou o quarto sem dizer adeus.
Andando no caminho para casa, observou um jardineiro displicente cuidar de um jardim. Plantava uma nova e linda muda de lírios, à qual regava com fartura. Ao lado, uma roseira morria de sede. Seca. Triste. Só. Esquecida. Ao chegar em casa, foi direto ao jardim. Ia plantar uma roseira.

domingo, 27 de junho de 2010

FuelForLife


Ele desistiu de um amor. Ele já mentiu. Ele não faz questão de bons gostos. Na verdade, seus gostos não combinam, não fazem sentido. Afinal, quem disse quem disse que um blues amargo não combina com um pop selvagem? Falam do mesmo homem. Ele. O homem. Ele não se importa de pedir desculpas. Ele engole orgulhos, e baixa a cabeça perante vozes mais altas. O homem treme de medo. O homem mantém aparências. O homem não quer responsabilidades. O homem, não admite, mas só quer prazer. Ele fugiu quando pôde. Quando não pôde também. Ele descobriu segredos que não eram seus. Aos seus, ele não suporta encarar. O homem teve vergonha de si e envergonhou aos seus. O homem esqueceu grandes amigos, não lhes telefonou. Ainda os ama. O Homem quis morrer. Quis nascer de novo. Quis nunca ter nascido. Quis viver para sempre. O Homem não se decide. Ele não sabe perder. Ele já perdeu vezes demais, mas nunca pára de fingir estar sempre ganhando. O homem até chora, vejam só! Outro dia o encontrei, e surpreendi uma lágrima manchando a sua camisa. E mais uma. E mais uma. Uma delas tocou o chão, e lá nasceu uma plantinha pequena. Claro que não, é mentira. Plantas não nascem em chãos de pedra. Quem lhes tiver dito isso, mentiu. Ainda assim houve algo de novo após aquela lágrima. O homem engoliu o choro. Ele parou de pensar naquilo em que não vale a pena pensar; sinapses não custam assim tão pouco. O homem admitiu a perda. Ele largou vergonhas e pudores. Descobriu que bom gosto é chato. Descobriu que música é só sobre sentir. Descobriu que quase tudo é sentir. Ele agora gosta de fome, de morrer de vontade. De admitir incompletudes e de gritar o quanto precisa. Ele agora fala alto. E sim, o homem ainda treme de medo. Mas medo é prelúdio de iniciativa, e ativa a produção de adrenalina. Fuel for life. O homem só não se esquece, e nem jamais poderia, que ele desistiu de um amor. Alguma primeira pedra...?

domingo, 20 de junho de 2010

Eu não te amo.



“Se nós, nas travessuras das noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas... diz com que pernas eu devo seguir” Chico;



Não te enganes, eu não te amo. Nunca te amei. Essas palpitações nauseantes ao menor sinal da tua presença não dizem nada. Esse rubor escarlate não é de amor. Esse suor nas mãos, as borboletas no estômago, nada disso diz que eu te amo. Não é por ti que chorei noites inteiras, não é por ti que ativei meu senso de masoquismo musical, tentando expurgar a dor de amar no embalo das notas melancólicas e nas palavras tristes e belas de amantes anteriores a mim. As lágrimas não te pertencem, as músicas não me lembram nós dois, e essa dor, não te dou o direito de achar que a culpa por ela te pertence. Não penses que te amo, só porque na bagunça de nossos corações meu sangue trocou-me por tuas veias e se perdeu. Não é porque te quis sem cessar, não é porque oxigênio me faz menos falta, não é porque todos esses dias sem te ver podiam não existir sem fazer falta, que podes achar que te amo. Não é porque já fomos um, indistintos na mistura dos membros, não é porque agora mesmo não consigo partir, porque agora mesmo não tenho cara de olhar o mundo sem ti, que ainda guardo algum mísero sentimento. Foste a única fome, a única sede que conheci, foste honra em minha vida.Tens esse quê de beleza maior do mundo o qual não posso descrever, me dás certeza da vida em mim, e nunca baixei minha guarda para alguém que não para ti. Mas não te amo. Não te quero, nem te posso. Não te amo. O céu foi há muito tempo atrás e já joguei tuas coisas fora, mas quero tudo de novo. Perdi a noção da hora, mas quero que ela não exista, para que o fim não tenha a audácia de chegar. Só não te esquece que não te amo.

sábado, 29 de maio de 2010

(à) noite.


Hoje ele resolveu ser infeliz. Ouviu aquela musica que o fazia chorar lágrimas que não estavam a caminho. Lágrimas por compulsão. Pensou em si como digno de pena. Talvez o fosse, de fato. Sim, o era. Apagou as luzes do quarto, as suas próprias também. Os olhos eram de um vazio sufocante, mas temporário, ele sabia. Deitava na cama encolhido, despido de todas as vaidades, de todos os enfeites chamativos de sua personalidade, de tudo o que chamasse para si as atenções, e que porventura o tornassem interessante. Era só ele e o seu segredo naquele quarto escuro. Nada mais íntimo que isso, revelar a uma imensa platéia de ninguéns que, na verdade, não há nada demais em você. Nada de errado, nem nada de certo. Ele era, no fundo, frustrantemente comum, insossamente piegas. Amargamente infeliz, naquele momento. O que havia para ser feliz? Perder a perfeição implicava em ter, pra sempre, o segundo melhor. E, é claro, a eterna culpa de tê-la deixado ir, aquela grande paixão. Nada podia melhorar as coisas. Alguém beijou seus lábios, ele experimentou outra boca. Ele disse coisas bonitas, mas a voz não era a sua. Nada o era bonito por dentro hoje. Todos os seus muros feneceram neste dia. Todos os arquétipos, fenótipos. Hoje ele era só a constituição verdadeira, o puro genoma. A pura melancolia e a tristeza com-porquê. Ele viveu, é a boa notícia. A má é que não é por nada seu que ainda respira, nenhuma mísera tentativa de sua parte. Viveu pelo dia que vinha. Viveu para se lhe atingissem como raios de sol queimando através da escuridão absoluta dessa noite, longa demais. Viveu porque já havia visto cumplicidade naqueles olhos, e por isso, esperança. Valia à pena, amar pra não perdoar. Tentar desesperadamente esquecer e fracassar miseravelmente na tentativa, só pra saber que se ama. Descobriu, no entanto, que era muito dele, tudo isso que o fazia viver. As horas em que ele odeia, no entanto, ainda virão. As noites voltarão a ser longas. Mas há dia entre duas noites. Frações de segundos de luz por vezes. Mas a luz é absoluta na sua fugacidade. Acordou já no amanhã. Feliz em poder dizer que amanheceu mas que, sem a noite, o amanhã ainda seria o mesmo dia. Levantou da cama e pôs roupas novas. Ia à luta. Uma vez mais.

domingo, 23 de maio de 2010

um breve exemplo de texto ficcional

- I cant take my eyes of you.
-from now on, I am your eyes.
Uma porta de ônibus se abre. Paro e, por algo não mais importante que uma questão de hábito, levanto o olhar àquele automóvel notavelmente comprido. E foi o que bastou. Um mero gesto habitual, descuidado, desinteressado e uma vida inteira desgraçava-se maravilhosamente naquele instante. Bastou o meu olhar desatento. Bastou o seu andar absurdo. O gesto incomparável. Bastou a presença que já não podia ignorar.
Foram segundos somente, um descer de escadas. Um atravessar de rua. Um encontro de olhar. Sim, o encontro de olhar. Dois pares de olhos muito mais antigos que os corpos que os carregavam. Encontraram-se e souberam que já se conheciam. Encontraram-se e realizaram que já sabiam do encontro. Encontraram-se e sabiam que já não era a primeira vez. Havíam apenas esquecido. Parei. Paramos. Olhei. Olhamo-nos. Reconhecemo-nos, sem saber disso. Atribuímos a sensação de dèja-vu à mera atração, como fazem todos os amantes.
A certeza veio. Já inoperante era eu . Todos os meus sentidos, eu percebi, canalizaram-se para a percepção da pessoa à minha frente. Nunca mais eu serei capaz de tirar os olhos de você. E eu soube. Soube que o fatídico dia, que chega para todos me havia atingido. Sempre desacreditado por mim, sempre irreal. Agora me acontecia. A certeza daquele momento foi absoluta. O sem-palavras do meu vocabulário foi imbatível. Eu não tive a menor chance. Derrubamos a mim, o grande rei de mim mesmo. Nunca mais meu próprio senhor. Derrubamos e acabou. Começou o para sempre. Outra vez.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

and all that Jazz



- Venha cá, amor. Por que não pintamos a cidade esta noite?

Começamos pelo sete. A fome mostrou-se de tal maneira insaciável que a própria cidade não foi mais que um aperitivo ao nosso apetite por pinturas. Coisa de artista. Coisa de homem. Coisa de mulher. Casas noturnas, gins gelados, pianos quentes, e todo aquele jazz. Ah, mas que jazz era aquele? Algo como nunca se viu. Sons como que sussurros que, furtivamente, adentravam meus ouvidos e domavam com selvageria minha total consciência. O jazz enlouquecia com uma cadência própria e quase carinhosa, e então era só brusquidão, ritmo, frenesi. O jazz entrou. Noite à dentro, noite a fora. E de novo, e de novo. Ninguém nunca cansa do jazz. E foram joelhos vermelhos. Meias pelo chão. Abraços em conhecidos, pequenos e grandes abraços, tal qual coelhos. Houveram também aspirinas para quem não agüentasse tanto Jazz. Achas que precisaria de uma? Oh, o jazz levou-nos até os céus, tal qual melodia adorada por todo ser vivente nessa terra, que é. As estrelas nos tocavam deliciosamente e todo o burburinho calou, nós nunca havíamos voado tão alto. Afinal, quem liga pra burburinhos quando todo esse jazz te levou à estratosfera? Mães iriam parir de novo de desgosto se soubessem que suas lindas princesinhas vão ao delírio com todo esse jazz. E fomos ao delírio. A melodia e o ritmo tão somente melhoravam com o decorrer da musica, e tudo acelerava, tudo correu para o gran finale. E ele chegou, numa nota estrondosa, vibrante, ensurdecedora, mas impossivelmente afinada. Ops! Foi hora de nos vestirmos, tirarmos os joelhos vermelhos do chão, e sair discretamente daquele banheiro sujo. Adentramos atordoados ao salão barulhento. Apesar das vozes, berros, disputas de cartas, o jazz estava lá, sendo tocado primorosamente. O Jazz não acaba, o jazz não morre. Não enquanto durar essa gente suja. Não enquanto formos todos nada mais que essa gente. Não enquanto formos todos nada mais que sujeira pura. Porque essa gente simplesmente não consegue parar todo esse jazz.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Na verdade, não há




é preciso amar,
Porque para um pai não há preciosidade ou tesouro no mundo que valha a felicidade de um rebento. Porque a namorada achou que era hora de se entregar, e o namorado mostrou que era digno de receber. Porque a gravidade é o cupido que une a chuva à terra, e porque qualquer amor gera frutos. Vapor, que seja. Porque o ódio que nasce está fadado ao fracasso. Ninguém odeia para sempre. Porque era tanta escuridão que teus olhos, ainda que negros como o breu, me trouxeram luz. Porque às vezes você quer arrancar a pele, quer enlouquecer de dor. Porque as vezes dói muito mais do que se pode suportar e porque as vezes dor é tudo que se quer. Porque não precisa ser para sempre. Porque um nanosegundo basta, às vezes; porque noutras uma eternidade é corriqueira, pra tanta coisa. Porque só se sabe. Porque só se tem. Porque não se tem.

como se não houvesse amanhã,
Porque às vezes você sangra só para saber que ainda vive. Porque olhos abertos não são garantia. Porque é inebriante a certeza de que o que você faz é respirar e não absorver oxigênio. Porque geralmente você precisa de ar. Porque noutras ocasiões falta de ar é o que te supre. Porque a vida devia ser igual aos filmes. Porque às vezes ela é. Porque SEMPRE só depende de você. Porque maio demorou demais para chegar. Porque a saudade da espera me mata. Porque quando chega a hora, e nada acontece eu vejo que a graça estava no caminho. Porque a pressa da chegada te traz arrependimentos. Porque se arrepender significa que tentaste. Porque no fim, não importou se eu usei só tu ou só você. Porque hoje eu não sou o eu, nem o nós. Hoje eu sou tu, hoje eu sou ele, hoje sou eles. O Estranho pra mim. Estranho a mim mesmo. Por que o precipício tende a ser a minha casa. Porque a minha casa tende a ser o precipício. Porque eu tenho medo de escolher. E o medo é a minha escolha. Porque medo é combustível. Porque essa combinação é explosiva. Porque explosões colorem o céu de vermelho. e por que o agonizar da fumaça me abre olhos. É preciso respirar.

na verdade, não há,
Abriu os olhos e viu. A música de nós dois enjoa, o para sempre sufoca. O amanhã não o preocupa. Não há ninguém ao lado, na cama. Não há mensagens. Ele também não precisa de alguém ao lado na cama, não agora. Mensagens só ocupam espaço. Outras mensagens virão. Outras camas também. O amor não foi eterno. Não foi inverdade, tampouco. Dias coloridos não são alegres. A chuva refresca. O beijo não teve sino. A foto envelheceu e grudou no porta-retrato.Tirará outra. Não há trilha sonora. O coração sofre ao som de música ruim, não há notas românticas. O inesquecível fui eu que fiz. E fui eu que te esqueci. Nem tudo sai como nos filmes. Aquele filme fizeram para mim. Não corra no meio da rua, se não for preciso. Jogue-se do Aconcágua se lá embaixo estiver seu coração. Meu coração. Olhos e poças d’água. Diferença? Acho que não. Transportam o céu para o chão. Relaxe. Se o coração parou de bater porque já o fez. Voltará a fazê-lo. Vamos fazer história? Sim, todo dia é dia de glória se você quiser. O mundo não acabou, o amanhã virá, o amanhã aqui está; Na verdade viva, na verdade xingue, grite, morra de amor, de dor, de cansaço, desista, persista. Na verdade chore, ria. Na verdade não se importe. Na verdade viva o amanhã hoje, porque, na verdade, o amanhã não há.

sábado, 1 de maio de 2010

#thepursuitofperfection



E se a perfeição não é desumana, no fim das contas? E se nós é que culpamos a natureza humana por nossas próprias falhas, absolutamente evitáveis? Bem, algumas cobranças recentes têm-me levado a acreditar nisso. Olhe ao redor. Quantas pessoas exigem, demandam aos berros que você não cometa falhas, quantas pessoas se indignam e se surpreendem com a sua imperfeição? Como se ser perfeito fosse a única conduta óbvia para você. Quanta gente ao seu redor reclama, julga, lhe inutiliza verbalmente por um simples e compreensível erro seu? Todas. Mas desculpe-me, eu é que sou condescendente demais com a raça dos homens. O erro nunca é simples, nunca é compreensível. No fim das contas você mesmo já se decepcionou, berrou, e julgou o erro de outros. E, talvez, seja daí que tenha surgido a imperfeição humana, o erro primordial, um único só, que desencadeou todas as outras imperfeições: o erro de não aceitar o erro do próximo. O erro de esquecer que somos todos incompletos, mas que um dia fomos inteiros, em comunhão, quando um simplesmente cobria o erro do próximo, quando um completava o irmão ao lado.
Bobagem. Em inglês, bullshit. Desculpem-me. Ocorre-me agora que esse sistema ideal, jamais existiu. Nós nunca contamos com o erro e nunca contaremos. Nivelamos sempre por cima, sempre esperando nada mais que a perfeição. Condutas corretas com o próximo, ajudar quem precisa, se esforçar para não ter uma mente medíocre, priorizar outras vontades além de sua, saber dividir o pouco que se tem com o mundo de gente ao redor, nada disso importa na verdade, nada disso é suficiente e vale a pena. Porque o mundo de hoje, me desculpem a franqueza, o pessimismo ou o péssimo realismo, exige resultados, e lucro, dinheiro. Para quê importam as pessoas, para que preocupar-se com o que você diz e com a maneira com a qual você fala com seu filho, amigo, irmão, namorado, vizinho? Se ele não dá os resultados que você espera, de que você necessita?
Embora saiba que muitos tomarão por pedantismo, desculpem-me os bons, mas eu mesmo estou agora a perseguir a perfeição. Uma vez tendo eu a intenção de sobreviver nesse mundo de cão e de algum dia possuir algo para chamar de meu, só me resta render-me à esse sistema de resultados exigidos imediatamente, em que a demanda mínima é a perfeição humana. Só me resta aceitar, se eu quiser sobreviver, a idéia de que a perfeição é humana e está ao meu alcance e de que no fim, eu estou sempre por minha conta e risco. Bem, fiquem acompanhando, o mundo pediu e eu atenderei. Perfeição, aqui vou eu. Pelo menos eu ainda não preciso me tornar divino. #medo.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

seasonfinale


Ontem foi transmitido o episódio final da temporada da minha série de TV favorita, foi o chamado season finale. Sei que há a grande probabilidade de o consenso geral considerar isso uma grande bobagem, talvez até frescura mesmo, mas o episódio ativou, de algum modo as minhas glândulas lacrimais. Houve algum vilão que tenha virado bom moço? Não mesmo. Algum mísero casal terminou junto? É, acho que não.

A verdade é que, com algumas poucas exceções, deu tudo errado. Maridos largaram esposas, amantes continuaram somente amantes, amores eternos se acabaram bem antes da eternidade, amigos de uma vida toda cortaram relações por toda a vida, outros brigaram e se reconciliaram, sabendo que um não é completo sem o outro. Entes queridos foram morar fora. Lutas de anos contra doenças terríveis terminaram em morte. Velórios, enterros, missas de sétimo dia. Festa, alegria, reuniões. Houve sexo de montão. Foram primeiras vezes, últimas vezes, a única vez, a vez melhor, o parceiro(a) melhor. Fizeram menage a tròis, papai-e-mamãe. Fizeram um filho, um filho morreu. Se apaixonaram, se decepcionaram. Funcionários dedicados foram promovidos, outros se esforçaram à toa. Expectativas foram frustradas. Namoradas apaixonadas foram frustradas por namorados nem tão apaixonados assim. Não conseguiram mais mentir. Mentiram como nunca. Se arrependeram, admitiram erros, pediram desculpas, tentaram consertá-los. Desculpas foram aceitas, outras não. Erros foram perdoados, outros foram simplesmente imperdoáveis, porque levaram pedaços inteiros de quem sofreu. Presentes foram guardados com o coração, outros se perderam no esquecimento, ou foram trocados por coisas mais úteis. Houveram alguns acidentes de carro também, filmes da vida inteira passando diante dos olhos em um segundo, experiências de quase-morte.

Parei para pensar um pouco agora. Refletindo bem, tem alguma coisa errada com isso tudo. Os olhos do protagonista são familiares demais. São pequenos, mas cheios de vida, já os vi em algum lugar. Um instante! Preciso me certificar de alguma coisa. Bem como eu pensei. A tela não é tela. Os olhos familiares me fitando, piscaram junto comigo. O coração acelerado daquele em minha frente bateu junto com o meu. E a lágrima que rolou naquele rosto magro, caiu com peso de chuva torrencial na minha camisa. Tirei os olhos do espelho e deixei tudo o que aconteceu no passado. Move on. Season Finale. Até o primeiro episódio e boa estréia para vocês.