Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Odeio-te





Pensa que eu não consigo ouvir os seus mudos “eu te amo” aonde que quer que eu vá? Pensa que seus lábios fechados lhe são fiéis? Pois não. Mesmo fechados denunciam-te sempre que abraçam-se aos meus. Ali, sem palavras, no idioma do corpo, fazem o relato exato do tamanho do teu amor, aos meus lábios que, agradecidos, abraçam-nos de volta. Eu não sou idiota e você não me engana. Pensa que eu não identifico seus traços nas cores que puseste nas flores ao longo dos meus caminhos? Pensa que não sei que tem dedo seu em cada momento de felicidade, em cada dia colorido? Pensa que não enxergo os sinais de fumaça no céu da possibilidade que tu gostarias de poder deixar para mim? Pensa até que não sei da existência dos carros de som imaginários que, tanto desejaste, pudessem gritar a plenos pulmões o teu amor por mim? Teu cafona amor por mim. Teu amor estúpido, babaca, meloso. Teu deselegante, inconveniente, inesperado, desconcertante jeito de amar.
Sei de tudo o que planejas. Sei de tudo o que não tens feito. Não fazes por que não deixo. Mas sei que imaginas. Imaginas um amanhecer clichê em um quarto de hotel cheio de pétalas de rosas, seguido de um tépido café da manha. Falta-te escolher a marca da margarina do comercial. Sei que deseja me mandar estúpidos bombons de chocolate mesmo sabendo que estou de dieta. Sei tudo sobre os buquês de rosa que potencialmente compraste para mim em tua mente. Tua diabolicamente romântica mente. Tua mente desprezível, de tanto que é adorável.
Sei de todas as tuas subversivas loucuras de amor, suspensas num plano teórico, metafísico. Sei dos tiros que levaste em meu lugar naquele assassinato que nunca aconteceu. Sei que pulaste da ponte atrás de mim no suicídio de nunca cometi e sei da vida que passaste sozinho e amargurado, incapaz de jamais amar outro alguém, depois da minha morte que nunca morri. Sei que andas violando o meu elegante regime de não-amor. Sei que anda dando propina a meus soldados mantenedores dos bons costumes. Os costumes do equilíbrio e discrição. Sei que assumiste o papel do revolucionário na minha vida e tens arrebanhado fiéis em cada pequena parte de mim. Cada pequena parte, cada uma delas, que me traem continuamente. Cada vez mais rendidas às tuas palavras doces e ao teu sujo amor verdadeiro. Como vê, estou consciente de que tens feito de tudo para, traiçoeiramente, sabotar o meu outrora perfeito e equilibrado regime. Sou ditador de mim e não vou tolerar suas subversões em meu território.
Com que direito te permitiste começar a me amar? Desde quando cometeste esta vil traição? Isto não foi o que combinamos. Era para ser casual. Equilibrado. Era para estar sob o meu controle. Se tivesses seguido o plano, se não tivesses sido tão odiosamente perfeito, se tivesse sido grosseiro e egoísta ao menos às vezes, quem sabe as coisas ainda estariam sobre controle. Não tinhas o direito de me amar como jamais ninguém fez e assim, bagunçar o meu mundo. Estou de cabeça para baixo e a culpa é sua. Não sei se jamais conseguirei te perdoar por teres feito isso comigo. Tudo ia muito bem antes de você. Agora você chegou e está tudo arruinado. Agora você chegou e eu encontrei o amor verdadeiro. Cedo demais. Inesperado demais. Por demais sem planejamento. Completamente fora do meu controle. Tuas palavras doces ganharam cada parte de mim e até a última: eu. O imediato. O consciente. Aquele que não posso esconder. A camada final e o mais externo de mim. Não, jamais poderei te perdoar por seres quem és. Jamais te perdoarei pela tua sublime vilania de trazer beleza à minha vida feia. A feiura é segura. Na feiura não há grandes amores, nem grandes dores. Só um adorável marasmo de tédio, leveza e superficialidade. Te odeio por trazer essa tempestade ao meu plácido oceano. Odeio pela destreza com que conquistaste até o meu eu mais rabugento. Odeio-te por amar-me no momento meu de maior ignorância e por, irritantemente, saber todas as vezes em que preciso que recues, em que preciso estar sozinho. Odeio-te por tua amabilidade enervante e pela insuportável mania aceitar tudo o que digo. Odeio-te. Odeio o eu te amo que tens guardado para mim e que tenho, deliberadamente, assassinado em asfixia sempre que está perto o suficientemente perto da superfície para fazer algum estrago. Jamais poderei te perdoar por me amar de maneira tão maravilhosa, não quando me esforcei tanto para que acabasse se afastando. Odeio-te pelo teu desinteressado e, aparentemente, incondicional amor por mim e, principalmente, odeio-te por que agora te amo de corpo e alma. E culpa é toda tua.     



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Vidro

É tão mais fácil no começo. Leve e despreocupado. Você salta pelo mar de telhados de vidro à sua frente sem olhar para baixo. Você só pensa em quão perto das nuvens você está e se esquece do quão grande você fez a sua possível futura queda. Longe demais do chão. Você é solto, ágil, feliz, desapegado. Você é leve. Os telhados de vidro são como que feitos do indestrutível diamante para o seu peso quase inexistente. Inquebráveis. E, se quebrarem, bom, você não ama o suficiente para que doa de verdade.
Mas então você começa a se apaixonar pelos telhados. Um a um, você demora cada vez um pouquinho mais para deixa-los. Era só uma questão de tempo até que algum deles te parasse de vez. Você olhou para aquele vidro tão belo e translúcido, perfeito em todas as qualidades que um vidro deve ter. Até os arranhões as lascas tiradas pela intempérie davam-lhe uma beleza madura, davam-lhe aquele toque sedutor da experiência. Mas que vidro adorável, você pensou. A perfeita combinação entre o denso e o rústico. Você ficou mais um dia. E foi ficando. E agora já não te é mais possível sair. Está ouvindo o vidro trincar? Sim, você finalmente se tornou pesado demais. Você sabe que deve sair enquanto é tempo. Você sabe que a tragédia está anunciada. Mas, sem explicação, você resolve ficar. Você não consegue sair. Aquele vidro é simplesmente lindo demais.
O som do vidro trincando está ficando cada vez mais alto. Está ouvindo? Eu te avisei. Você vai cair. Agora já se pode ver os primeiros estilhaços caindo com um estrépito lá embaixo. Milhares e milhares de quilômetros abaixo. Você nota, agora, o quão alto subiu? Os estilhaços estão ficado maiores. Meu deus, mais da metade do vidro já se foi. Pule para fora daqui. Pule para o próximo telhado, ainda dá tempo. Não você não vai. Você está perdido. Você ainda quer este telhado, ainda que quebrado. Você vai cair.
A última parte do vidro, por fim, se quebra. E você cai. na velocidade de um meteoro. A gravidade maligna te puxa para ela, sedenta do seu corpo. Voraz e invencível. Você está caindo. Mas está apaixonado pela queda. Você é grato por ela. Você esta voltando pro seu vidro, que te espera lá embaixo. Está voltando pro começo.

domingo, 1 de abril de 2012

Fome

Vamos de semana em semana, você disse.  Sem pressão, sem infinitos prometidos, sem mundos investidos, sem pesos amarrados nas costas.  Perfeito, pensei. Justamente o que eu precisava. Justamente o que eu sempre precisei. O não comprometer, o finito. O não permanente e consequente frescor de infindáveis recomeços. Tudo o que eu precisava para ser o apetite que sempre fui. O permanente, e resolvido, o terminado me assustam. Não tenho fome de nada, porque fome é uma necessidade definida, rotineira, orgânica. O apetite tem a inconstância e indefinição do bom evento psicológico que é. Sim, eu sempre precisei mesmo ser um apetite. O medo em mim de não conseguir abraçar o mundo todo porque perdi tempo acariciando um pequeno detalhe da Criação é maior que o próprio medo da morte. É, em verdade, o próprio medo da morte. A morte para mim não é a morte em si. A morte para mim reside na assustadora possibilidade de que ela me encontre antes  que eu tenha conseguido abraçar o mundo inteiro.
Sim, eu sempre vivi para sustentar meus imensos olhos. Sempre gulosos, sempre insaciáveis, sempre na contramão de minha barriga pequena, limitada, assustadiça, incompetente e temperamental demais para se comprometer com qualquer digestão mais elaborada. Não, digerir sempre foi um aprofundamento impossível para mim e, por isso, me acostumei às indigestões, ao sufoco que meus olhos descomunais e desproporcionais sempre me causaram.
É então que vem você e me propõe alimentar-me às colheradas.  Você vem e me propõe pequenas porções de cada vez . Desafia meus irritáveis e impacientes olhos, permitindo apenas pequenos e ocasionais vislumbres do todo. Do magnifico todo que eu ainda estava por conhecer. Você veio com pequenos acordes de uma voz veludada, pouquíssimos e quase silenciosos versos de musicas tímidas. Veio com pequenos sacrifícios, pequenos cavalheirismos. Veio com pequenas noites. Pequenos momentos de presença. Trouxe ingrediente por ingrediente,  às vezes microscópicos, e submeteu cada um deles ao meu assustável paladar. E quando, finalmente, senti o carnaval de sabores que aos poucos trouxeste até mim, o apogeu dos sentidos trazido por suas pequenas e singelas porções me pôs de joelhos. De beijo em beijo. De primeira vez em primeira vez. De uma em uma semana Foi assim, que você me fez ver que nem todas as semanas da minha vida vão saciar a fome visceral que despertaste em mim. Eu disse fome, veja bem.  O desejo pela rotina de te ter, o desejo pela segurança e confiabilidade da tua presença. Parado ao meu lado, saciando-me regularmente, é como te quero. Sim, isso é fome. O apetite já passou. Dele já não preciso.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sobre seres e pareceres

Não, ele não tem boa sorte. Poucas coisas dão certo pra ele e as mãos em sua vida nada têm de beijadas. Antes, estapeiam-no. Aquele garoto também não tem a menor ideia do que fazer. Colecionador obsessivo de incertezas e um destemido nato na hora de perder a fé. Ele não sorri o tempo todo e sua vida, certamente, não é uma festa. Não vai a tapetes vermelhos, nem é popular. Ele não tem lá muito dinheiro, e também não se importa nenhum pouco com o seu. Aquele garoto também não acha a juventude tão melhor assim e não sabe de onde você tirou que ele um dia quis ser você
Mas aquele garoto não precisa da sua boa sorte. Ele desdenha da sua pretensa popularidade e não deseja viver agonia da sua felicidade constante e atestada. Ele prefere a segurança do atestado de gente. De ser real. De poder sentir a tristeza livre do pânico. Porque solidão é bom. Solidão é você. Ele deseja, sim, um atestado que não se exibe, um atestado que se é. Silencioso. Particular. Real. Seu. Aquele garoto não tem uma fé inabalável, ele cai, e desiste. Só o que lhe é inabalável é a certeza de que cair significa ter que levantar e começar de novo. Um cair é sempre uma chance para levantar de novo. E, quem sabe, desta vez ele possa levantar sem cair de novo. Um levantar permanente, experiente, sofrido.
Aquele garoto não precisa da sua atenção. Ele não passa pela vida fazendo desesperados check-in’s, buscando uma celebridade ausente de mérito pra esquecer da ordinariedade que enxerga em si mesmo. Ele chama atenção, mas chama por ser. Com o parecer ele já não está mais tão preocupado. As gargalhadas dele não são as mais altas e o álcool não lhe é terapia. Fala do que é por ser de sua natureza o manifesto. O discurso. O transbordar. A plateia lhe é dispensável. Ele prefere a pessoa.
Não, ele não é do tipo que fala porque precisa ser ouvido. Antes, fala por que quer se ouvir. Quer se sentir real, materializado. Quer sentir-se objetivo, ao menos uma vez. A verdade é que só lhe é possível ser se for sozinho. Sim, no mundo que ele desenhou a solidão e a alforria nasceram do mesmo ventre. Só na solidão é que realmente se é, somente livre do necessário agradar de opiniões é que pode despir-se do que não é. Por melhor ator que ele seja, anda cansado das fantasias quilométricas que carrega. Anda cansado de carnavais espirituais. Anda farto das pessoas que só aturam o feliz. Cansado de todos esses sorrisos pavorosos que já não conseguem mais se desfazer. Uma tragicomédia apavorante em que se prendeu o mundo em que esse garoto vive. A alegria ostentada não o inspira. Assusta. O humor é plástico e vazio por isso o repele. Os destinos, previamente projetados, sufocam. Por isso não se incomode com ele. Deixe-o em paz que para ele já será o suficiente. Ele não é nada como você. Ele é.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

True Colors


Eles não entendem que eu quero viver em semitons. Não, a palheta de cores da fotografia com a qual escolheram viver é completamente outra. Eu não quero esse amarelo tão obviamente amarelo. Não quero o branco da perfeita harmonia das cores do espectro. Não. Eu quero distorção de um espectro decomposto, desequilibrado. Quero muito azul. Quero azul muito mais que todas as outras cores. E, então, todas as outras cores muito mais do que o azul. Prefiro os gritos eloquentes e eficazes do exagero de uma só cor, do que a modéstia e formalidade da luz branca comum e real que ilumina o equilíbrio rotineiro dos dias que desenharam para mim.
O desenho está feito. Não há o que se faça. Já traçaram os contornos rígidos e bem definidos entre os quais preciso espremer tudo o que sou. Esqueceram, no entanto, de pintar. E se você quer saber, está será a parte mais divertida. Quem colore sou eu. Tirem daqui seus perfeitos lápis aquarela. Seus rios azuis. Gramados verdes. Telhados vermelhos. Da fotografia de minha vida eu é que sei. Quero mesmo é tinta guache pra viver. Quero pintar com os dedos e fora das linhas. Que as linhas me sirvam tão somente para destacar quão longe fui, e ainda vou, em minha transgressão. Quero que meu céu possa ser verde, se quiser. Quero a liberdade surrealista da verdadeira verdade ainda que a beleza dela não te faça o menor sentido. Vem ver pelos meus olhos! E que o chão possa ser branco, as vezes, para que meus pés sujos marquem o caminho, e que, assim, eu possa sempre me perder em paz, seguro de que minhas pegadas me farão capaz de voltar. Como voltei ontem. Como voltarei amanha. E que um dia também me seja permitido não voltar mais, porque há caminhos que não têm volta, e é assim que precisam ser.
Comprei essa câmera e colei celofane azul na lente. É que me acho distintamente mais bonito em tons de azul. E, ainda que a melanina sem criatividade em mim discorde, se a matiz azul a tornar possível enxergar a beleza em mim, se for azul como eu me sinta, se for azul como eu escolha viver, por que não dizer que a verdade é que sou azul? Quem morreu e deixou para a realidade o papel de O cenário legítimo? Quem escolheu essa entediante fotografia hiper-realista para o filme de mim? Vem ver por essas lentes também. Esteja fora das linhas, querido. Fotografe seus pés cheios de calos, por bizarros que sejam se eles é que contam a tua história. Seja azul. Seja preto e branco. Seja todas as cores e nenhuma, se é o que você precisa ser. Querido, só te peço que estejas certo de que no final do dia você será capaz de se olhar no espelho e reconhecer em você os seus próprios traços de pintor, ou a fotografia que você tirou. Vão te dizer que os traços são feios. Que são imaturos e juvenis. Mas eles, que falam demais, são só uma plateia assustada porque os teus traços originais os ofuscam e abrem os olhos para a covardia dos traços que eles deixaram outros pintarem por eles.
As tuas cores é que são de verdade. Não porque sejam reais. Mas porque são as que você ama, porque são suas. A cor da verdade não é a que é. É aquela cor que quisemos tanto, que fizemos com que fosse. Meu amor por você tem a sua cor. Sem ela meu amor se perde por não conseguir te encontrar. Seja a sua cor. Para que, então, sejamos nós. 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O peso

Entenda que não me é fácil explicar-me para ti. Eu não me sei. Antes, me suponho. Encontro-me, não dentro de mim, mas em reflexos vagamente familiares cujos vislumbres capto, de passagem, pelas palavras de outros homens, ou nas lentes alheias, na voz de outro alguém. Faço-me, assim – aparentemente porque de nada tenho certeza – em miscelânea de outros. Sou um mosaico do que os homens e mulheres de outro tempo e de agora fizeram de mim, é preciso admitir. E por ser tanta coisa, por isso mesmo é que não sou, em absoluto. Prefiro mudar. Amo/sou o não ser. Porque sempre que se é por tempo demais, termina-se sendo errado.
Bem acho que pode-se dizer que sou isso que te falei. Alias, que não sou. Sou leve. Mas não se engane pela morfologia atrativa da palavra. Pela sedução dos fonemas simples. Leve não é sempre a grandeza positiva da dualidade. Li uma vez que a dualidade leveza-peso é mais complexa e controversa que qualquer outra contradição apontada por Parmênides*. Para ele, o peso era sempre negativo e a leveza positiva. E fisicamente falando essa é a provável verdade. Mas a física não passa da mentira que nossos olhos nos contam para fazer do mundo algo compreensível para nós e não o sufocador e intragável infinito semântico que ele realmente é.
Tenho sido leve, é verdade. Transitório. Mutante. Tenho sido muitos e nenhum. Mas tenho corrido riscos inimagináveis. Quem é leve corre o risco de voar alto demais e se perder na imensidão rarefeita da estratosfera. Em asfixia. O que é leve está longe demais do chão. O que é leve não possui densidade. O que é leve está a um passo do semi-real e tão próximo dessa liberdade que tanto prezo quanto da absoluta insignificância. É sedutora a transgressão só pelo transgredir. Pelo mero arregalar dos olhos alheios. Mas o alheio aqui sou eu. Me deixo levar pela euforia memética do festejar incessante da nossa cultura. Estampo o vazio do eterno sorriso em meu rosto porque as pessoas baniram a tristeza e o que quer que lhes lembre do peso que deixaram para trás.
Mas agora que me sinto tão leve e livre quanto jamais estive é que vejo o quanto preciso de você. Sei que disse que você era uma âncora naufragando a mim e me impedindo de ganhar os mares. Acontece que os navios lembrados pelos séculos afora são os que afundaram. Naufraga-me com teu peso e torna-me um naufrágio verdadeiro e memorável. Estou disposto a afundar se for contigo. Torna-me uma vez denso como o ar frio, que possa descer e ser real, que possa eriçar os teus pelos e te fazer precisar de um abraço que te aqueça. Torna-te o peso antagonista de minha leveza e usa teu corpo para pesar sobre o meu, pois sinto já ser vital te sentir sobre mim.
A mim continua indecifrável a controversa dualidade entre leveza e peso. Só o que sei é que desisti da leveza, aceitei que o preço da liberdade é exorbitante demais e que quero mesmo é teu peso me prendendo a esses mesmos lençóis, pelo tempo que durar, qualquer que seja o peso da dor. Da (necessária?) dor de amar.

*Milan Kundera em "A insustentável leveza do ser"

domingo, 6 de novembro de 2011

Dúvida


Você pensaria que eu sou um chorão. Que eu sou um melodramático clássico a quem as lágrimas vêm com facilidade. Mas não é verdade. Bem, eu sou, de fato, melodramático. Talvez até mais. Acho que beiro o masoquismo patológico. Mas não eu não choro. Há anos que já não consigo.  O engraçado disso, no entanto, é que, se você perguntar a quem quer que tenha convivido o suficiente comigo nos últimos anos, poderá ouvir o testemunho de um número considerável de pessoas que alegarão terem me visto derramar lágrimas por já uma dezena de vezes. Mas aprendi, durante esses anos em que pude viver sozinho nesse mundo, há uma antonímia negligenciada pelos comuns bem aí, entre as lágrimas e o chorar. Derramei lágrimas sim, mas não de dor. Lágrimas pelo hábito. Lágrimas pra me sentir humano, me sentir parte de alguma coisa. Da multidão lacrimosa tão em voga hoje em dia. A lágrima meme. Lagrimas pra me sentir comum, incluído, e ter certeza de que era capaz, ainda, de reagir como homem normal. Enfim, lagrimas fingidas. Não é que eu não tenha sentido dor, veja bem. Experimentei dores nos últimos anos ante as quais me vi partindo ao meio, a ponto de cultivar sérias dúvidas sobre se seria eu capaz de me recompor. Mas quando doeu de verdade as lágrimas não vieram. Dor além das lágrimas. Dor que lágrimas não podiam traduzir. Dor tão grande e independente que esnoba, dispensa a natural subserviência de suas criadas naturais, lágrimas.  Transbordo mas não sinto dor, não a minha, pelo menos. Sim, pude chorar de verdade, mas pela arte, pela dor alheia, pelo que não me pertence. A emoção represada em meus olhos não é a minha. A minha dor, a minha gigantesca dor não me comove. Bem que sempre me disseram que tamanho não é documento. A minha dor não é digna da manifestação natural das lágrimas. A minha dor me deixa em dúvida na verdade. Não consigo entender se é ela tão grande que as lágrimas tornam-se um adereço fútil e desnecessário, ou se decepcionei a mim tantas vezes que esta minha dor já não me comove, anda desacreditada, mais irreal que as dores de Hollywood. E, ainda, pergunto-me se as duas coisas não seriam a mesma.