Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O peso

Entenda que não me é fácil explicar-me para ti. Eu não me sei. Antes, me suponho. Encontro-me, não dentro de mim, mas em reflexos vagamente familiares cujos vislumbres capto, de passagem, pelas palavras de outros homens, ou nas lentes alheias, na voz de outro alguém. Faço-me, assim – aparentemente porque de nada tenho certeza – em miscelânea de outros. Sou um mosaico do que os homens e mulheres de outro tempo e de agora fizeram de mim, é preciso admitir. E por ser tanta coisa, por isso mesmo é que não sou, em absoluto. Prefiro mudar. Amo/sou o não ser. Porque sempre que se é por tempo demais, termina-se sendo errado.
Bem acho que pode-se dizer que sou isso que te falei. Alias, que não sou. Sou leve. Mas não se engane pela morfologia atrativa da palavra. Pela sedução dos fonemas simples. Leve não é sempre a grandeza positiva da dualidade. Li uma vez que a dualidade leveza-peso é mais complexa e controversa que qualquer outra contradição apontada por Parmênides*. Para ele, o peso era sempre negativo e a leveza positiva. E fisicamente falando essa é a provável verdade. Mas a física não passa da mentira que nossos olhos nos contam para fazer do mundo algo compreensível para nós e não o sufocador e intragável infinito semântico que ele realmente é.
Tenho sido leve, é verdade. Transitório. Mutante. Tenho sido muitos e nenhum. Mas tenho corrido riscos inimagináveis. Quem é leve corre o risco de voar alto demais e se perder na imensidão rarefeita da estratosfera. Em asfixia. O que é leve está longe demais do chão. O que é leve não possui densidade. O que é leve está a um passo do semi-real e tão próximo dessa liberdade que tanto prezo quanto da absoluta insignificância. É sedutora a transgressão só pelo transgredir. Pelo mero arregalar dos olhos alheios. Mas o alheio aqui sou eu. Me deixo levar pela euforia memética do festejar incessante da nossa cultura. Estampo o vazio do eterno sorriso em meu rosto porque as pessoas baniram a tristeza e o que quer que lhes lembre do peso que deixaram para trás.
Mas agora que me sinto tão leve e livre quanto jamais estive é que vejo o quanto preciso de você. Sei que disse que você era uma âncora naufragando a mim e me impedindo de ganhar os mares. Acontece que os navios lembrados pelos séculos afora são os que afundaram. Naufraga-me com teu peso e torna-me um naufrágio verdadeiro e memorável. Estou disposto a afundar se for contigo. Torna-me uma vez denso como o ar frio, que possa descer e ser real, que possa eriçar os teus pelos e te fazer precisar de um abraço que te aqueça. Torna-te o peso antagonista de minha leveza e usa teu corpo para pesar sobre o meu, pois sinto já ser vital te sentir sobre mim.
A mim continua indecifrável a controversa dualidade entre leveza e peso. Só o que sei é que desisti da leveza, aceitei que o preço da liberdade é exorbitante demais e que quero mesmo é teu peso me prendendo a esses mesmos lençóis, pelo tempo que durar, qualquer que seja o peso da dor. Da (necessária?) dor de amar.

*Milan Kundera em "A insustentável leveza do ser"

domingo, 6 de novembro de 2011

Dúvida


Você pensaria que eu sou um chorão. Que eu sou um melodramático clássico a quem as lágrimas vêm com facilidade. Mas não é verdade. Bem, eu sou, de fato, melodramático. Talvez até mais. Acho que beiro o masoquismo patológico. Mas não eu não choro. Há anos que já não consigo.  O engraçado disso, no entanto, é que, se você perguntar a quem quer que tenha convivido o suficiente comigo nos últimos anos, poderá ouvir o testemunho de um número considerável de pessoas que alegarão terem me visto derramar lágrimas por já uma dezena de vezes. Mas aprendi, durante esses anos em que pude viver sozinho nesse mundo, há uma antonímia negligenciada pelos comuns bem aí, entre as lágrimas e o chorar. Derramei lágrimas sim, mas não de dor. Lágrimas pelo hábito. Lágrimas pra me sentir humano, me sentir parte de alguma coisa. Da multidão lacrimosa tão em voga hoje em dia. A lágrima meme. Lagrimas pra me sentir comum, incluído, e ter certeza de que era capaz, ainda, de reagir como homem normal. Enfim, lagrimas fingidas. Não é que eu não tenha sentido dor, veja bem. Experimentei dores nos últimos anos ante as quais me vi partindo ao meio, a ponto de cultivar sérias dúvidas sobre se seria eu capaz de me recompor. Mas quando doeu de verdade as lágrimas não vieram. Dor além das lágrimas. Dor que lágrimas não podiam traduzir. Dor tão grande e independente que esnoba, dispensa a natural subserviência de suas criadas naturais, lágrimas.  Transbordo mas não sinto dor, não a minha, pelo menos. Sim, pude chorar de verdade, mas pela arte, pela dor alheia, pelo que não me pertence. A emoção represada em meus olhos não é a minha. A minha dor, a minha gigantesca dor não me comove. Bem que sempre me disseram que tamanho não é documento. A minha dor não é digna da manifestação natural das lágrimas. A minha dor me deixa em dúvida na verdade. Não consigo entender se é ela tão grande que as lágrimas tornam-se um adereço fútil e desnecessário, ou se decepcionei a mim tantas vezes que esta minha dor já não me comove, anda desacreditada, mais irreal que as dores de Hollywood. E, ainda, pergunto-me se as duas coisas não seriam a mesma.