Pensa que eu não consigo ouvir os
seus mudos “eu te amo” aonde que quer que eu vá? Pensa que seus lábios fechados
lhe são fiéis? Pois não. Mesmo fechados denunciam-te sempre que abraçam-se aos
meus. Ali, sem palavras, no idioma do corpo, fazem o relato exato do tamanho do
teu amor, aos meus lábios que, agradecidos, abraçam-nos de volta. Eu não sou
idiota e você não me engana. Pensa que eu não identifico seus traços nas cores
que puseste nas flores ao longo dos meus caminhos? Pensa que não sei que tem
dedo seu em cada momento de felicidade, em cada dia colorido? Pensa que não
enxergo os sinais de fumaça no céu da possibilidade que tu gostarias de poder
deixar para mim? Pensa até que não sei da existência dos carros de som imaginários
que, tanto desejaste, pudessem gritar a plenos pulmões o teu amor por mim? Teu
cafona amor por mim. Teu amor estúpido, babaca, meloso. Teu deselegante,
inconveniente, inesperado, desconcertante jeito de amar.
Sei de tudo o que planejas. Sei de tudo
o que não tens feito. Não fazes por que não deixo. Mas sei que imaginas.
Imaginas um amanhecer clichê em um quarto de hotel cheio de pétalas de rosas,
seguido de um tépido café da manha. Falta-te escolher a marca da margarina do
comercial. Sei que deseja me mandar estúpidos bombons de chocolate mesmo
sabendo que estou de dieta. Sei tudo sobre os buquês de rosa que potencialmente
compraste para mim em tua mente. Tua diabolicamente romântica mente. Tua mente
desprezível, de tanto que é adorável.
Sei de todas as tuas subversivas
loucuras de amor, suspensas num plano teórico, metafísico. Sei dos tiros que
levaste em meu lugar naquele assassinato que nunca aconteceu. Sei que pulaste
da ponte atrás de mim no suicídio de nunca cometi e sei da vida que passaste
sozinho e amargurado, incapaz de jamais amar outro alguém, depois da minha
morte que nunca morri. Sei que andas violando o meu elegante regime de
não-amor. Sei que anda dando propina a meus soldados mantenedores dos bons
costumes. Os costumes do equilíbrio e discrição. Sei que assumiste o papel do
revolucionário na minha vida e tens arrebanhado fiéis em cada pequena parte de
mim. Cada pequena parte, cada uma delas, que me traem continuamente. Cada vez
mais rendidas às tuas palavras doces e ao teu sujo amor verdadeiro. Como vê,
estou consciente de que tens feito de tudo para, traiçoeiramente, sabotar o meu
outrora perfeito e equilibrado regime. Sou ditador de mim e não vou tolerar
suas subversões em meu território.
Com que direito te permitiste
começar a me amar? Desde quando cometeste esta vil traição? Isto não foi o que
combinamos. Era para ser casual. Equilibrado. Era para estar sob o meu
controle. Se tivesses seguido o plano, se não tivesses sido tão odiosamente
perfeito, se tivesse sido grosseiro e egoísta ao menos às vezes, quem sabe as
coisas ainda estariam sobre controle. Não tinhas o direito de me amar como
jamais ninguém fez e assim, bagunçar o meu mundo. Estou de cabeça para baixo e
a culpa é sua. Não sei se jamais conseguirei te perdoar por teres feito isso
comigo. Tudo ia muito bem antes de você. Agora você chegou e está tudo
arruinado. Agora você chegou e eu encontrei o amor verdadeiro. Cedo demais.
Inesperado demais. Por demais sem planejamento. Completamente fora do meu
controle. Tuas palavras doces ganharam cada parte de mim e até a última: eu. O
imediato. O consciente. Aquele que não posso esconder. A camada final e o mais
externo de mim. Não, jamais poderei te perdoar por seres quem és. Jamais te
perdoarei pela tua sublime vilania de trazer beleza à minha vida feia. A feiura
é segura. Na feiura não há grandes amores, nem grandes dores. Só um adorável
marasmo de tédio, leveza e superficialidade. Te odeio por trazer essa
tempestade ao meu plácido oceano. Odeio pela destreza com que conquistaste até
o meu eu mais rabugento. Odeio-te por amar-me no momento meu de maior
ignorância e por, irritantemente, saber todas as vezes em que preciso que
recues, em que preciso estar sozinho. Odeio-te por tua amabilidade enervante e
pela insuportável mania aceitar tudo o que digo. Odeio-te. Odeio o eu te amo
que tens guardado para mim e que tenho, deliberadamente, assassinado em asfixia
sempre que está perto o suficientemente perto da superfície para fazer algum
estrago. Jamais poderei te perdoar por me amar de maneira tão maravilhosa, não
quando me esforcei tanto para que acabasse se afastando. Odeio-te pelo teu
desinteressado e, aparentemente, incondicional amor por mim e, principalmente,
odeio-te por que agora te amo de corpo e alma. E culpa é toda tua.