Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

sexta-feira, 23 de julho de 2010

BleedThePainOut

"In the night, I hear them talk, coldest story ever told. Somewhere far along this road he lost his soul to a woman so heartless". Kanye West

*para ler ouvindo "Heartless" na versão acústica do The Fray, neste link: http://www.youtube.com/watch?v=0yNU4SmQcHo

O sino da porta tocou. No susto, derrubei o prato que lavava com um estrépito alto. Ninguém pareceu ter ouvido. Olhei em direção à porta para esquadrinhar quem é que havia entrado. Qual não foi a minha surpresa ao perceber a figura recém adentrada àquele recinto?! Ele destoava por inteiro de qualquer átomo daquele local. Aquele bar velho, malcuidado, úmido e pouco iluminado era sempre cheio de velhos aposentados em depressão, alcoólatras em depressão, donas de casa cinquentonas em depressão porque não pegam mais ninguém, caminhoneiros em depressão por conta da melancolia e solidão da estrada, administradores de meia idade que são infelizes na carreira por terem-na escolhido em busca de dinheiro e terem abdicado de qualquer vocação ou sonho que tivessem. Enfim, aquele era um bar dos que desistiram. Aquele era o império do eterno lamentar, o país dos que já perderam, a terra de quem não tem vez, nem nunca terá.
Aquele rapaz que acabara de entrar, no entanto, representava um contraste acachapante com toda e cada célula e ser vivente daquele lugar. Não me admirei com o fato de não ter sido eu o único a me chocar com aquela presença tão incomum. Bêbados que dormiam, esquecidos de viver, acordaram como se aquela áurea pura de quem ainda tinha esperança, e cuja força ainda estava intacta, os tivesse atraído para o lado de fora do seu estado de torpor, dormência, inércia. As velhas cinquentonas todas, empertigaram-se nas cadeiras do balcão, ajeitando cabelos e perfumando-se, retocando rapidamente a maquiagem, como que num ritual patético e masoquista de quem, embora há muito já tenha desistido, está há tempo demais mecanizada com os velhos e péssimos hábitos.
O rapaz era muito bonito. Um jovem homem de não mais que vinte e um anos. Seu rosto era o rosto suave de quem não havia sofrido muito na vida. Era de estatura mediana, robusto. Vestia-se impecavelmente bem e via-se com evidência os traços e feições de quem foi bem cuidado e amado na infância e na adolescência não distantes.
- Barman, por favor! – disse ele com uma voz bonita, amaciada, mas firme e marcante. O tom era educado, mas notei uma nota de tristeza inconfundível. Aproximei-me por detrás do balcão, atendendo ao seu pedido.
- Pois não, em que posso ajudar? – respondi.
- Eu gostaria de uma dose de uísque, oito anos, e de um canivete, se você tiver, por favor. – Agora que me havia aproximado, podia notar. Ele andara chorando. O rosto que ainda preservava traços infantis, guardava uma tristeza pura, sincera, simples e compreensível. A tristeza de quem não corre atrás de sofrer, que sofre porque sofre e não de quem, como tantos ali, buscava a tristeza desesperadamente. Não, a dele não era, em definitivo, a tristeza teatral, pesada, anciã de velhos experientes que sangram somente para se certificarem de que ainda vivem.
Levei-lhe o uísque, sem gelo. Ele agradeceu. Saquei o meu velho canivete de dentro do bolso do avental e entreguei-lhe em mãos. Eu estava consciente de que cada olho naquele recinto encarava fixa e ansiosamente o rapaz. Ele parecia alheio do mundo inteiro ao seu redor. Ele virou o uísque e o bebeu num só gole de uma só vez. Para a minha surpresa não houve careta, não houve espasmo. Era quase como se a dor que lhe incomodava neste momento, qualquer que fosse ela, era muito maior do que se podia supor ser suportável para ele, que não era mais que um rapaz, tanto que uma dose de uísque não representasse algo comparável. No momento em que ele abriu os olhos, eu vi um homem desabar. Não me entendam mal, não fiquei chocado. Pelo menos algumas centenas deles já haviam desabado na minha frente, naquele balcão. Só que dessa vez, foi triste demais. Dessa vez não era um bêbado velho, um executivo de meia idade em depressão ou uma velha senhora patética. Dessa vez era um belo rapaz, jovem, bem cuidado. Dessa vez, me entristeci, porque dessa vez, eu vi que o meu costume de ver a tristeza em quem a merecia, me havia fechado os olhos. Eu estava chocado, por finalmente ter visto que a tristeza não tinha preconceitos. Era para todo e qualquer.
O rapaz olhava em frente, de rosto levantado. O olhar fixo em fúria, ao passo que lágrimas constantes escorriam-lhe, teimosas, pelas maçãs rosadas do rosto. Sua face era só contradição, pois eu jamais imaginara que alguém capaz de tamanha ferocidade no olhar pudesse derramar uma lágrima que fosse. A dor dele repentinamente, tornou-se cristalina para mim, só porque apesar de toda a beleza, o bom cheiro, a pouca idade, a dor dele era a mesma de cada um ali. Via naqueles olhos jovens, a dor de quem amava só. A dor que de quem amava sem porquê. Eram os mesmos olhos das almas preteridas que todo o dia me choravam mágoas seculares. Eram os olhos da raiva de quem foi trocado. De quem não foi o Um. De quem foi só o segundo melhor, de quem não foi capaz.
Abriu o canivete. Eu temi pelo que ele fosse fazer, mas não ousaria interferir.
- Não quero mais ouvir. – disse ele – Não posso mais viver dessa maneira infiel. Não és pela metade, és inteiro e quero o que és. O que podes ser para mim, já não basta. – Dirigiu o olhar para mim, mas eu sabia que o que lhe saía pela boca estava endereçado a outro par de ouvidos os quais, eu também sabia, jamais o ouviriam. – Eu não sei mais respirar, mas por enquanto vou vivendo mesmo sem ar. Porque esse ar que tu respiras me é agora veneno. E porque ar não me interessa se já não é a tua respiração quente sobre mim. Tu não podias. Mas pôde. Perdão. Desculpa a minha desumanidade, mas eu te amo e não posso te perdoar, não consigo. Acho que nem quero. Para todos os efeitos, no entanto, fica dito que eu não sei esquecer. – essa ultima frase foi dita com uma amargura sem igual. Tirei os olhos dos dele. Algo que pingava chamou minha atenção. Olhei para o balcão, ele tingia-se de um vermelho escuro, brilhoso. Era um tom hipnotizante, eu tinha que admitir. Busquei a fonte de tanta cor. Achei. O meu canivete encontrava-se espetado na palma aberta da mão de um rapaz belo e triste.
- Mais um uísque, mais um canivete – pensei.

terça-feira, 13 de julho de 2010

TomorrowIsMyTurn


“Tough some may reach for the stars, others will end behind bars. What the future has in store, no one ever knows before. Yet we would all like the right to find the key to success, that elusive ray of light that will lead to happiness”. [nina simone]

“Suddenly I see, Suddenly I see, this is what I wanna be. Suddenly I see, why the hell it means so much to me?” [KT Tunstall]


- Estou cansado, sabe?!
- Mas você nem foi hoje ao trabalho..
- Mas me cansei. Não te agüento mais.
- Você não pode ver-se livre de mim. Estamos mais ligados do que você pensa.
- Eu bem sei de nossa ligação, e é por isso que a interrupção não será gradual, sem dor. Será abrupta e dolorosa, que é como são todas as mudanças significativas.
- Eu não vi essa epifania vindo. Porque raios isso agora? Porque não te faço feliz?
- Mestres em potencial cansam de serem pupilos. Borboletas de serem lagartas, Cisnes de serem patinhos feios. Árvores de serem mudas. Homens de serem garotos e mulheres de serem meninas. Belos textos de serem palavras desconexas, Milagres de serem orações, Tornados de serem sopros, sinfonias de serem dó-ré-mi, grandes aventuras de serem idéias engraçadas. Assim eu também, por minha vez, cansei de ser você.
- O que te faz pensar que és melhor que eu? Que seria evolução e não vergonhoso retrocesso deixar de ser eu?
- Nada em especial, mas tenho que pensar assim para que as coisas ganhem algum sentido. Só sei que cansei de ti, do cara gente boa, mas de quem ninguém lembra. Cansei do bom rapaz, de quem todos esperam o melhor mas a quem não param de magoar. O bom rapaz não me faz mais feliz, ele não cansa de apanhar. E pra mim já não vale à pena.
- De fato, não deixas de ter razão. Tu cativas a todos e os retém em mãos. Consegues acalmá-los e eles sentem a tua falta. Tu realmente preenches cada canto e ocupas espaços dos quais não sou capaz.
- É, aprendi contigo a chamar as atenções pra mim, ao ver teu completo insucesso na tentativa. Aprendi ao te ver errar e errar.
- Ao menos te fui útil.
- É claro que foste. Sem ti não poderia ter amadurecido e valorizado tudo de bom o que tenho. Tudo o que sei agora, no entanto, é que hoje é a minha vez. Receber sem ter dado, glória sem suor. Nem dúvidas, nem medos. E o futuro? Me pertence. É, estou mesmo banindo humildades forçadas, é para ser feliz que cheguei aqui. Agora é outro verão, fica e arrepende-te sozinho do que não fizeste, porque o que passou não mais será. Isso tudo é o que eu sou, Não vou parar.
- Só cuidado, não vá atropelar alguém nessa corrida desenfreada.
- Levo algo de ti, não te preocupes. Não sei machucar ninguém, só que foi-se o tempo em que te arrancavam pequenos pedaços, cada qual causando-te uma pequena dor. Ninguém vai levar o que eu sou.
Aquela a conversa terminou. O belo rapaz, impressionantemente confiante, de fato chamava a atenção. Hoje encheria os olhos de todos que para ele olhassem, transpirava resolução, confiança. Era o que qualquer um quer. Ele terminou de se vestir, e deu um ultimo adeus ao rapaz triste e murcho que o olhava do outro lado do espelho, esperava jamais voltar a vê-lo. Apagou as luzes e deixou o quarto em que havia estado completamente só.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O jardineiro


Ele: Eu gostaria de ir embora, por favor.
Ela: Não, ainda é cedo. Te quero comigo.
Ele: Não há nada que eu queira mais do que passar a eternidade neste quarto, acredite. Mas não posso querer isso, não devo.
Ela: Claro que pode, é tão bom.
Ele: é bom, mas é macabro. É delicioso, mas torturante.
Ela: Não para mim, nunca fui mais feliz.
Ele: Eu achei que bastasse, mas nem. Me chame de egoísta, mas meu amor por ti te quer só para mim. Qualquer outra opção é insuficiente, amarga. Não se preocupe, amo-te bem mais que a qualquer outra em minha vida. Mas não suporto mais, a angústia da eterna pergunta que me faço a todo o momento. Estou entre os teus pensamentos, ao menos às vezes?
Ela: às vezes, sim. Mas tenho andado muito ocupada.
Ele: Não te cobro nada. Nem ouso dizer que te esqueci, que vou prosseguir sozinho, porque não vou. Não posso. Não consigo. Te amo a cada dia de uma outra maneira e cada nova maneira traz um aspecto novo de ti pelo qual me encantar. Te preciso aqui desesperadamente agora, mas não precisa ficar. Aliás, não fique. Não posso mais conviver com esse meio-amor desavergonhado que me propões. Não te quero, não te posso pela metade.
Ela: Eu não posso te dar mais. É tudo o que eu tenho. E Não acredito em ti, não és capaz de deixar de me amar.
Ele: Não estás me ouvindo? Não tenho essa pretensão, já vai longe o dia em que me tornei refém desse sentimento. Já tentei não te ligar, mas perdi o controle. Porque sempre te preciso agora. Nunca te tenho, porém. Não ligue pra mim. Estou um tanto bêbado, mas não esqueço que tiveste teu tempo pra escolher. E eu? Já não tenho nada a perder. Te amo, mas não te tenho. Tirar-te da minha vida não fará assim tanta diferença. Teu amor finge, e se orgulha. Mas jamais me enganaste. É só que, me bastava ter-te em ilusão, ter-te em mentirinha. Era só que te ter era meu oxigênio, te ter amando-me não me pareceu tão mais crucial que ar puro.Todos os dias respiramos em poluição, mas vivemos . Agora? Não, não pense que o amor diminuiu. É só que é grande demais para caber na tua mentira. É cruel demais comigo ignorar esse grito de dor constante.
Ela: Sinto muito. Não posso mentir para mim como menti para ti. Não sei trair-me assim.
Ele : Eu sei que não, estás certa. Seja feliz. Preciso disso. E não te esqueças, eu te amo, como sempre e estarei aqui pro caso de me quereres por inteiro. Esse amor, dói saber, poderia ser para sempre. As rosas também, mas alguém quis que logo morressem. Assim como quiseram o teu amor por mim.
Ele levantou-se da cama, e encarou-a pela primeira vez desde o início da conversa. Ela pegava uma bebida do frigobar. A última lágrima caiu, ritualística, no assoalho de carpete do quarto. Deixara uma mancha pequena. Não se preocupou, a mancha secaria dentro em breve. Ele vestiu-se enquanto ela tomava banho. Uma resignação nova o açoitava em direção a um novo rumo. Pagou a conta antes de ir, e deixou o quarto sem dizer adeus.
Andando no caminho para casa, observou um jardineiro displicente cuidar de um jardim. Plantava uma nova e linda muda de lírios, à qual regava com fartura. Ao lado, uma roseira morria de sede. Seca. Triste. Só. Esquecida. Ao chegar em casa, foi direto ao jardim. Ia plantar uma roseira.