Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

True Colors


Eles não entendem que eu quero viver em semitons. Não, a palheta de cores da fotografia com a qual escolheram viver é completamente outra. Eu não quero esse amarelo tão obviamente amarelo. Não quero o branco da perfeita harmonia das cores do espectro. Não. Eu quero distorção de um espectro decomposto, desequilibrado. Quero muito azul. Quero azul muito mais que todas as outras cores. E, então, todas as outras cores muito mais do que o azul. Prefiro os gritos eloquentes e eficazes do exagero de uma só cor, do que a modéstia e formalidade da luz branca comum e real que ilumina o equilíbrio rotineiro dos dias que desenharam para mim.
O desenho está feito. Não há o que se faça. Já traçaram os contornos rígidos e bem definidos entre os quais preciso espremer tudo o que sou. Esqueceram, no entanto, de pintar. E se você quer saber, está será a parte mais divertida. Quem colore sou eu. Tirem daqui seus perfeitos lápis aquarela. Seus rios azuis. Gramados verdes. Telhados vermelhos. Da fotografia de minha vida eu é que sei. Quero mesmo é tinta guache pra viver. Quero pintar com os dedos e fora das linhas. Que as linhas me sirvam tão somente para destacar quão longe fui, e ainda vou, em minha transgressão. Quero que meu céu possa ser verde, se quiser. Quero a liberdade surrealista da verdadeira verdade ainda que a beleza dela não te faça o menor sentido. Vem ver pelos meus olhos! E que o chão possa ser branco, as vezes, para que meus pés sujos marquem o caminho, e que, assim, eu possa sempre me perder em paz, seguro de que minhas pegadas me farão capaz de voltar. Como voltei ontem. Como voltarei amanha. E que um dia também me seja permitido não voltar mais, porque há caminhos que não têm volta, e é assim que precisam ser.
Comprei essa câmera e colei celofane azul na lente. É que me acho distintamente mais bonito em tons de azul. E, ainda que a melanina sem criatividade em mim discorde, se a matiz azul a tornar possível enxergar a beleza em mim, se for azul como eu me sinta, se for azul como eu escolha viver, por que não dizer que a verdade é que sou azul? Quem morreu e deixou para a realidade o papel de O cenário legítimo? Quem escolheu essa entediante fotografia hiper-realista para o filme de mim? Vem ver por essas lentes também. Esteja fora das linhas, querido. Fotografe seus pés cheios de calos, por bizarros que sejam se eles é que contam a tua história. Seja azul. Seja preto e branco. Seja todas as cores e nenhuma, se é o que você precisa ser. Querido, só te peço que estejas certo de que no final do dia você será capaz de se olhar no espelho e reconhecer em você os seus próprios traços de pintor, ou a fotografia que você tirou. Vão te dizer que os traços são feios. Que são imaturos e juvenis. Mas eles, que falam demais, são só uma plateia assustada porque os teus traços originais os ofuscam e abrem os olhos para a covardia dos traços que eles deixaram outros pintarem por eles.
As tuas cores é que são de verdade. Não porque sejam reais. Mas porque são as que você ama, porque são suas. A cor da verdade não é a que é. É aquela cor que quisemos tanto, que fizemos com que fosse. Meu amor por você tem a sua cor. Sem ela meu amor se perde por não conseguir te encontrar. Seja a sua cor. Para que, então, sejamos nós. 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O peso

Entenda que não me é fácil explicar-me para ti. Eu não me sei. Antes, me suponho. Encontro-me, não dentro de mim, mas em reflexos vagamente familiares cujos vislumbres capto, de passagem, pelas palavras de outros homens, ou nas lentes alheias, na voz de outro alguém. Faço-me, assim – aparentemente porque de nada tenho certeza – em miscelânea de outros. Sou um mosaico do que os homens e mulheres de outro tempo e de agora fizeram de mim, é preciso admitir. E por ser tanta coisa, por isso mesmo é que não sou, em absoluto. Prefiro mudar. Amo/sou o não ser. Porque sempre que se é por tempo demais, termina-se sendo errado.
Bem acho que pode-se dizer que sou isso que te falei. Alias, que não sou. Sou leve. Mas não se engane pela morfologia atrativa da palavra. Pela sedução dos fonemas simples. Leve não é sempre a grandeza positiva da dualidade. Li uma vez que a dualidade leveza-peso é mais complexa e controversa que qualquer outra contradição apontada por Parmênides*. Para ele, o peso era sempre negativo e a leveza positiva. E fisicamente falando essa é a provável verdade. Mas a física não passa da mentira que nossos olhos nos contam para fazer do mundo algo compreensível para nós e não o sufocador e intragável infinito semântico que ele realmente é.
Tenho sido leve, é verdade. Transitório. Mutante. Tenho sido muitos e nenhum. Mas tenho corrido riscos inimagináveis. Quem é leve corre o risco de voar alto demais e se perder na imensidão rarefeita da estratosfera. Em asfixia. O que é leve está longe demais do chão. O que é leve não possui densidade. O que é leve está a um passo do semi-real e tão próximo dessa liberdade que tanto prezo quanto da absoluta insignificância. É sedutora a transgressão só pelo transgredir. Pelo mero arregalar dos olhos alheios. Mas o alheio aqui sou eu. Me deixo levar pela euforia memética do festejar incessante da nossa cultura. Estampo o vazio do eterno sorriso em meu rosto porque as pessoas baniram a tristeza e o que quer que lhes lembre do peso que deixaram para trás.
Mas agora que me sinto tão leve e livre quanto jamais estive é que vejo o quanto preciso de você. Sei que disse que você era uma âncora naufragando a mim e me impedindo de ganhar os mares. Acontece que os navios lembrados pelos séculos afora são os que afundaram. Naufraga-me com teu peso e torna-me um naufrágio verdadeiro e memorável. Estou disposto a afundar se for contigo. Torna-me uma vez denso como o ar frio, que possa descer e ser real, que possa eriçar os teus pelos e te fazer precisar de um abraço que te aqueça. Torna-te o peso antagonista de minha leveza e usa teu corpo para pesar sobre o meu, pois sinto já ser vital te sentir sobre mim.
A mim continua indecifrável a controversa dualidade entre leveza e peso. Só o que sei é que desisti da leveza, aceitei que o preço da liberdade é exorbitante demais e que quero mesmo é teu peso me prendendo a esses mesmos lençóis, pelo tempo que durar, qualquer que seja o peso da dor. Da (necessária?) dor de amar.

*Milan Kundera em "A insustentável leveza do ser"

domingo, 6 de novembro de 2011

Dúvida


Você pensaria que eu sou um chorão. Que eu sou um melodramático clássico a quem as lágrimas vêm com facilidade. Mas não é verdade. Bem, eu sou, de fato, melodramático. Talvez até mais. Acho que beiro o masoquismo patológico. Mas não eu não choro. Há anos que já não consigo.  O engraçado disso, no entanto, é que, se você perguntar a quem quer que tenha convivido o suficiente comigo nos últimos anos, poderá ouvir o testemunho de um número considerável de pessoas que alegarão terem me visto derramar lágrimas por já uma dezena de vezes. Mas aprendi, durante esses anos em que pude viver sozinho nesse mundo, há uma antonímia negligenciada pelos comuns bem aí, entre as lágrimas e o chorar. Derramei lágrimas sim, mas não de dor. Lágrimas pelo hábito. Lágrimas pra me sentir humano, me sentir parte de alguma coisa. Da multidão lacrimosa tão em voga hoje em dia. A lágrima meme. Lagrimas pra me sentir comum, incluído, e ter certeza de que era capaz, ainda, de reagir como homem normal. Enfim, lagrimas fingidas. Não é que eu não tenha sentido dor, veja bem. Experimentei dores nos últimos anos ante as quais me vi partindo ao meio, a ponto de cultivar sérias dúvidas sobre se seria eu capaz de me recompor. Mas quando doeu de verdade as lágrimas não vieram. Dor além das lágrimas. Dor que lágrimas não podiam traduzir. Dor tão grande e independente que esnoba, dispensa a natural subserviência de suas criadas naturais, lágrimas.  Transbordo mas não sinto dor, não a minha, pelo menos. Sim, pude chorar de verdade, mas pela arte, pela dor alheia, pelo que não me pertence. A emoção represada em meus olhos não é a minha. A minha dor, a minha gigantesca dor não me comove. Bem que sempre me disseram que tamanho não é documento. A minha dor não é digna da manifestação natural das lágrimas. A minha dor me deixa em dúvida na verdade. Não consigo entender se é ela tão grande que as lágrimas tornam-se um adereço fútil e desnecessário, ou se decepcionei a mim tantas vezes que esta minha dor já não me comove, anda desacreditada, mais irreal que as dores de Hollywood. E, ainda, pergunto-me se as duas coisas não seriam a mesma. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Someone Like You

Ouvi dizer que tu sossegaste. Que estás agora feliz com alguém. Ouvi dizer que encontraste justo o que procurava. Disseram-me também que descobriste quão melhor é a verdade. Quão melhor pode ser a integridade de uma pele não-violada em comparação aos cortes que fazias em teus pulsos, lá atrás quando tu precisavas sangrar para saber que vivia.
Ouvi dizer que o teu alguém quer realmente a ti e somente a ti e que, por isso, mandou aposentar aquela versão editada que tentavas fazer o mundo engolir. Que o mundo agora se entale com toda a indigestão que és tu. Ouvi dizer que o teu alguém não te quer ver chorando; que o teu alguém renuncia a si e abre os braços para te receber. Ouvi dizer que paraste de fingir no exato momento em que encontraste a verdade ostentada naqueles olhos insanos e lindos.
Disseram-me ainda, no outro dia, que te viram cantando em plena madrugada. Que para ti, escuro agora é só uma desculpa para a lua brilhar sossegada e protagonista, e que ela, comovida que ficou com o teu amor, declarou ser ela de vocês dois e de mais ninguém.  Disseram-me que carros brancos te fazem pensar em amor e bombas de asma são agora apaixonantemente vulneráveis para ti. Fiquei sabendo das madrugadas de fugas, fiquei sabendo dos teus namoros secretos de porta. Fiquei sabendo que encontraste agora o teu sonho de adolescente.
Assustei-me, porém, quando disseram-me que o teu alguém até mesmo acredita em ti. Desculpe, mas isso me parece deveras impossível. O que há em ti para ser crido? Sim, é bem verdade que o teu alguém te ajudou a enxergar a ti mesmo livre de miopias.  Mas o problema não estava na distancia da imagem. Antes, no objeto em si. És tão egoísta e irresponsável. O que fazes aqui?
Só sei que estou assustado porque ouvi dizer que encontraste um amor e já não sei por onde sofrer. Estou assustado porque o teu amor não para de tentar me fazer feliz e eu gostava tanto de sofrer. Não me reconheço. Ouvi dizer que somos duas faces da mesma moeda, mas como pode? Eu quero drama, quero tremer de medo. Fantasmas. Estou cheio deles. Tem tanto em mim que já morreu que me assusto em dizer que o teu amor já não me assusta mais. Fico feliz porque encontramos alguém como ele. Alguém como nós. Obrigado.

sábado, 16 de julho de 2011

O novo preto.

O novo preto.
Masoquismo emocional. É sim, eu sempre fui Hitler de mim. Sempre achei linda a melancolia do preto e branco das minhas fotos. Eu, sempre rodeado por uma multidão de solidões.  Todo tipo, tamanho e índole contemplado em minha miscigenação emocional particular. Devo admitir o reconforto do quê poético delas. Não posso mentir que faço, também, jornalismo marrom de mim.  O engraçado de não viver o que se vive é que você se descobre um mentiroso muito melhor do que você esperava. Pior, eu fui estúpido suficiente para acreditar em mim. Sem cessar. Afinal, quem imaginaria que ainda haveria mais algum mentiroso em meu caminho. Apenas, o maior de todos. O mais intímo e, ainda, o mais misterioso. Apenas, eu.
Foi quando minha cabana virou babel. Quando meus segundos eram dias. Quando a lágrima era mesmo o cisco. Quando as vidas em cristal líquido eram as minhas muitas. Quando eu chamei “destino” o livro bonito que eu li. Quando deixei os olhos entreabertos ao pular do precipício. Quando o precipício era uma mureta. Foi quando me traí.
A Descoberta era poderosa demais para mim.  Descobri que o que eu tinha de melhor era a representação. Era saber imitar. Ser quase igual, porém com a superficialidade inexorável de toda cópia vagabunda que se preze. Por algum tempo me contentei. Por algum tempo o apenas parecer que foi um ser satisfatório. Quase ideal. Jogar esse jogo de fingir foi realmente divertido. O único problema é o risco de esquecer que quem está jogando é você. E ninguém mais. Eu esqueci. Esqueci que embora eu estivesse jogando, o jogo não era jogo. Era só, e somente só, vida. Caí, por isso e, hoje, fui esquecido. Corro, então, para fazer virar esse tarde demais num, ao menos, em cima da hora. Corro para alcançar aquele que era eu, o eu mesmo, o eu de verdade. No agora, eu fechei meus livros. Desliguei a música. Olhos e ouvidos, por via das dúvidas. Deixei-me para mim e é só. Brincar de fogo machuca e, acredite, não é algo suportável. Matei todos os personagens e resolvi interpretar o que é meu, de fato. Não sou muito bom nele, me soa artificial falar com a minha própria voz e usar essas palavras que eu mesmo invento. Mas acho que é pra ser assim mesmo.
Hoje não viro mesas. Não quebro barracos e nem faço sujeira pra esconder no tapete. Antes, faxina. Antes, restauro. Dever de cuidado. É um alívio, na maior parte. Na menor, é cansativo mas eu me atrofiei como intérprete de mim e preciso disso. Melhor parar de falar, antes que as palavras me seduzam de novo rumo ao não ser, ao parecer. Vou mesmo é virar esses tapetes  e pôr a mostra toda essa sujeira. Sim, eu vou revirar os tapetes, impregnar o mundo com a verdade encerrada nessa sujeira, porque antes verdade suja que a limpeza ascética e artificial da mentira. Pintar o mundo nas cores da verdade suja. Branco-mentira é last season e marrom, bem, marrom-sujeira é o novo preto. Sabe como é, sujar faz bem.

domingo, 6 de março de 2011

Aeróbico

- Voltara a respirar.  Sim, porque havia já algum tempo que Lourenço não o fazia. Mas durante este tempo de pura anaeróbia cada célula de seu pulmão ardeu de vontade. Por dentro, só o que se ouvia eram os gritos desesperados de alvéolos sedentos pela fresquidão inebriante do oxigênio. É bom que se deixe claro, no entanto – Lourenço fora bravo. Lutara habilmente contra o impulso instintivo de sugar o ar. Ignorou a tendência natural do vácuo de se preencher e seu olfato permaneceu no escuro. Não por muito tempo.
É claro que ele falhou. Em missões suicidas falha-se mesmo quando obtém-se êxito, disseram. Em missões suicidas o sucesso é meramente uma questão de quanto tempo você leva até levar a falha a cabo. E ainda, inevitável como é a falha, teria sido melhor se não houvesse falhado. Respirar é um risco sem o qual todos estariam melhores. Quando da inalação do ar ao seu redor, não há proteção contra nada. E você está completamente suscetível ao poder inebriante de todas as fragrâncias poderosas espalhadas por aí. É condenação.
Lourenço respirou, e, como não podia deixar de ser, condenou-se. Bastou o primeiro instante de inalação. Bastou a primeira tragada desesperada, sedenta de ar refrescante, e Lourenço já caíra. No primeiro grama de oxigênio adentrado ao sistema escondia-se uma fragrância pequenina. Era suave, era quente. Doce e quase infantil. Tinha um quê floral misturado a uma ardência, uma nota apimentada. Ele não conseguiu acreditar na maravilha daquele cheiro. Era difícil para ele entender a precisão com que alguém havia desenhado aquela fragrância para ele. Não era possível, simplesmente não era. Estava bêbado de prazer envolto no preenchimento absoluto que aquele cheiro o fazia sentir, para variar. Fora isso, só o que conseguia era se odiar por ter demorado tanto a respirar. Queria que aquele cheiro fosse toda a sua existência. Cada célula sensorial em suas narinas vibrava em regozijo pela maravilha daquela informação emitida ao cérebro. Pela maravilha que aquelas propriedades permitiam que o cérebro construísse em sensação. Nunca neurônios realizaram sinapses tão exuberantes. E por alguns instantes isso foi tudo. Por alguns instantes, Lourenço era só sentir. Era um bolo sensorial envolto em puro prazer. Nada mais importava, nem voltaria a importar, porque ele encontrara um cheiro e por ele tudo valia a pena. Nem tanto.
Eu ainda me lembro de quando vi acontecer. Lembro de quando ele engasgou. Num minuto ele tinha os olhos fechados e espremidos de tanto prazer; no outro só o que se ouvia era o engasgar arrepiante; seus olhos arregalados de dor me hipnotizavam.  Ele tossia forte e agonizava, sufocado de decepção. Ele descobrira. Achara em sua primeira respiração a razão pela qual respirar era um risco tão grande. Disfarçada na doce fragrância que o arrebatara, estava um gás venenoso, praticamente letal. E aquele gás parecia estar precisamente desenhado para envenená-lo na mesma proporção em estava para apaixoná-lo. O veneno era metálico, era inorgânico. O veneno era de um aroma turbulento, assustador. O veneno era um assassino frio. Levava a cabo sem pena a vida de cada alvéolo que ousava tentar quebrar suas moléculas. Seus elementos não podiam se separar porque estavam determinados demais, unidos demais na mesma intenção destruidora.  Tudo o que o veneno deixava era a vontade de que acabasse. Só o que Lourenço queria era o fim. E ainda ele nunca parecera tão longe.
Mas ele chegou. Quando acabou, encontrei Lourenço jazendo no chão. Ele era a própria decepção. Seu rosto encontrava-se desmoronado e nada que eu já tinha visto se comparava àquela tristeza antiga que eu notei em seu rosto. Repentinamente agora seus olhos me pareciam estranhamente anciãos para seu corpo jovem e bonito. Era como se seus olhos tivessem visto muito mais do que todos. Era como se todas as dores e decepções de todas as eras tivessem achado abrigo na dor que residia em seus olhos agora. Eu tive medo de que ele resolvesse nunca mais respirar. Tive medo de que o trauma fosse grande demais e ele resolvesse levar a missão suicida a cabo desta vez. Mas não. Como acontece com todos, Lourenço achou um jeito de continuar respirando. É claro que seus pulmões estariam danificados para sempre pelos danos daquele veneno. Em sua ânsia de absorver o cheiro maravilhoso do início, Lourenço respirara fundo demais, sedento demais que estava pela sensação daquele cheiro. E agora seus pulmões estariam prejudicados para sempre. Mas ainda assim,ele voltou a respirar. Lourenço achou um jeito de perdoar a vida pelo veneno que ela pusera em seu caminho. E Lourenço voltou a respirar. Devagar. Com cuidado. Que um dia Lourenço ache a fragrância de que precise. Eu sei que ele vai.
- esta é uma bela estória. Mais uma vez você arrancou a tristeza escondida em mim e esfregou-a por todo o meu rosto.
- foi você que quis ouvi-la.
- está tudo bem, não reclamo. O masoquista em mim precisa ser alimentado às vezes. Não sei por que, mas tenho a impressão de já a ter ouvido. Essa estória me soa familiar.
- você realmente não consegue se lembrar?
- Não totalmente, mas a descrição da fragrância me soa familiar. Eu sei que sim. Essa história eu já ouvi.
O garoto tentou se lembrar. Olhou fixamente para a parede, desesperado por uma lembrança. Estava tão absorto que não percebeu a ponta de uma faca afiada perto de sua mão. Ao mover a mão, inevitavelmente tocou a faca e um corte pequeno desenhou-se na ponta de seu dedo. Uma dor pequena, mas muito real e aguda, desenhou-se em seu rosto por causa do corte. O outro garoto perguntou, em resposta:
- você está bem?
- estou. E me lembrei de onde conheço a história. Estranhamente, ela me lembra de quando me falaram do  amor. 
Ah sim, o amor é aeróbico.