Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

sábado, 29 de maio de 2010

(à) noite.


Hoje ele resolveu ser infeliz. Ouviu aquela musica que o fazia chorar lágrimas que não estavam a caminho. Lágrimas por compulsão. Pensou em si como digno de pena. Talvez o fosse, de fato. Sim, o era. Apagou as luzes do quarto, as suas próprias também. Os olhos eram de um vazio sufocante, mas temporário, ele sabia. Deitava na cama encolhido, despido de todas as vaidades, de todos os enfeites chamativos de sua personalidade, de tudo o que chamasse para si as atenções, e que porventura o tornassem interessante. Era só ele e o seu segredo naquele quarto escuro. Nada mais íntimo que isso, revelar a uma imensa platéia de ninguéns que, na verdade, não há nada demais em você. Nada de errado, nem nada de certo. Ele era, no fundo, frustrantemente comum, insossamente piegas. Amargamente infeliz, naquele momento. O que havia para ser feliz? Perder a perfeição implicava em ter, pra sempre, o segundo melhor. E, é claro, a eterna culpa de tê-la deixado ir, aquela grande paixão. Nada podia melhorar as coisas. Alguém beijou seus lábios, ele experimentou outra boca. Ele disse coisas bonitas, mas a voz não era a sua. Nada o era bonito por dentro hoje. Todos os seus muros feneceram neste dia. Todos os arquétipos, fenótipos. Hoje ele era só a constituição verdadeira, o puro genoma. A pura melancolia e a tristeza com-porquê. Ele viveu, é a boa notícia. A má é que não é por nada seu que ainda respira, nenhuma mísera tentativa de sua parte. Viveu pelo dia que vinha. Viveu para se lhe atingissem como raios de sol queimando através da escuridão absoluta dessa noite, longa demais. Viveu porque já havia visto cumplicidade naqueles olhos, e por isso, esperança. Valia à pena, amar pra não perdoar. Tentar desesperadamente esquecer e fracassar miseravelmente na tentativa, só pra saber que se ama. Descobriu, no entanto, que era muito dele, tudo isso que o fazia viver. As horas em que ele odeia, no entanto, ainda virão. As noites voltarão a ser longas. Mas há dia entre duas noites. Frações de segundos de luz por vezes. Mas a luz é absoluta na sua fugacidade. Acordou já no amanhã. Feliz em poder dizer que amanheceu mas que, sem a noite, o amanhã ainda seria o mesmo dia. Levantou da cama e pôs roupas novas. Ia à luta. Uma vez mais.

domingo, 23 de maio de 2010

um breve exemplo de texto ficcional

- I cant take my eyes of you.
-from now on, I am your eyes.
Uma porta de ônibus se abre. Paro e, por algo não mais importante que uma questão de hábito, levanto o olhar àquele automóvel notavelmente comprido. E foi o que bastou. Um mero gesto habitual, descuidado, desinteressado e uma vida inteira desgraçava-se maravilhosamente naquele instante. Bastou o meu olhar desatento. Bastou o seu andar absurdo. O gesto incomparável. Bastou a presença que já não podia ignorar.
Foram segundos somente, um descer de escadas. Um atravessar de rua. Um encontro de olhar. Sim, o encontro de olhar. Dois pares de olhos muito mais antigos que os corpos que os carregavam. Encontraram-se e souberam que já se conheciam. Encontraram-se e realizaram que já sabiam do encontro. Encontraram-se e sabiam que já não era a primeira vez. Havíam apenas esquecido. Parei. Paramos. Olhei. Olhamo-nos. Reconhecemo-nos, sem saber disso. Atribuímos a sensação de dèja-vu à mera atração, como fazem todos os amantes.
A certeza veio. Já inoperante era eu . Todos os meus sentidos, eu percebi, canalizaram-se para a percepção da pessoa à minha frente. Nunca mais eu serei capaz de tirar os olhos de você. E eu soube. Soube que o fatídico dia, que chega para todos me havia atingido. Sempre desacreditado por mim, sempre irreal. Agora me acontecia. A certeza daquele momento foi absoluta. O sem-palavras do meu vocabulário foi imbatível. Eu não tive a menor chance. Derrubamos a mim, o grande rei de mim mesmo. Nunca mais meu próprio senhor. Derrubamos e acabou. Começou o para sempre. Outra vez.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

and all that Jazz



- Venha cá, amor. Por que não pintamos a cidade esta noite?

Começamos pelo sete. A fome mostrou-se de tal maneira insaciável que a própria cidade não foi mais que um aperitivo ao nosso apetite por pinturas. Coisa de artista. Coisa de homem. Coisa de mulher. Casas noturnas, gins gelados, pianos quentes, e todo aquele jazz. Ah, mas que jazz era aquele? Algo como nunca se viu. Sons como que sussurros que, furtivamente, adentravam meus ouvidos e domavam com selvageria minha total consciência. O jazz enlouquecia com uma cadência própria e quase carinhosa, e então era só brusquidão, ritmo, frenesi. O jazz entrou. Noite à dentro, noite a fora. E de novo, e de novo. Ninguém nunca cansa do jazz. E foram joelhos vermelhos. Meias pelo chão. Abraços em conhecidos, pequenos e grandes abraços, tal qual coelhos. Houveram também aspirinas para quem não agüentasse tanto Jazz. Achas que precisaria de uma? Oh, o jazz levou-nos até os céus, tal qual melodia adorada por todo ser vivente nessa terra, que é. As estrelas nos tocavam deliciosamente e todo o burburinho calou, nós nunca havíamos voado tão alto. Afinal, quem liga pra burburinhos quando todo esse jazz te levou à estratosfera? Mães iriam parir de novo de desgosto se soubessem que suas lindas princesinhas vão ao delírio com todo esse jazz. E fomos ao delírio. A melodia e o ritmo tão somente melhoravam com o decorrer da musica, e tudo acelerava, tudo correu para o gran finale. E ele chegou, numa nota estrondosa, vibrante, ensurdecedora, mas impossivelmente afinada. Ops! Foi hora de nos vestirmos, tirarmos os joelhos vermelhos do chão, e sair discretamente daquele banheiro sujo. Adentramos atordoados ao salão barulhento. Apesar das vozes, berros, disputas de cartas, o jazz estava lá, sendo tocado primorosamente. O Jazz não acaba, o jazz não morre. Não enquanto durar essa gente suja. Não enquanto formos todos nada mais que essa gente. Não enquanto formos todos nada mais que sujeira pura. Porque essa gente simplesmente não consegue parar todo esse jazz.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Na verdade, não há




é preciso amar,
Porque para um pai não há preciosidade ou tesouro no mundo que valha a felicidade de um rebento. Porque a namorada achou que era hora de se entregar, e o namorado mostrou que era digno de receber. Porque a gravidade é o cupido que une a chuva à terra, e porque qualquer amor gera frutos. Vapor, que seja. Porque o ódio que nasce está fadado ao fracasso. Ninguém odeia para sempre. Porque era tanta escuridão que teus olhos, ainda que negros como o breu, me trouxeram luz. Porque às vezes você quer arrancar a pele, quer enlouquecer de dor. Porque as vezes dói muito mais do que se pode suportar e porque as vezes dor é tudo que se quer. Porque não precisa ser para sempre. Porque um nanosegundo basta, às vezes; porque noutras uma eternidade é corriqueira, pra tanta coisa. Porque só se sabe. Porque só se tem. Porque não se tem.

como se não houvesse amanhã,
Porque às vezes você sangra só para saber que ainda vive. Porque olhos abertos não são garantia. Porque é inebriante a certeza de que o que você faz é respirar e não absorver oxigênio. Porque geralmente você precisa de ar. Porque noutras ocasiões falta de ar é o que te supre. Porque a vida devia ser igual aos filmes. Porque às vezes ela é. Porque SEMPRE só depende de você. Porque maio demorou demais para chegar. Porque a saudade da espera me mata. Porque quando chega a hora, e nada acontece eu vejo que a graça estava no caminho. Porque a pressa da chegada te traz arrependimentos. Porque se arrepender significa que tentaste. Porque no fim, não importou se eu usei só tu ou só você. Porque hoje eu não sou o eu, nem o nós. Hoje eu sou tu, hoje eu sou ele, hoje sou eles. O Estranho pra mim. Estranho a mim mesmo. Por que o precipício tende a ser a minha casa. Porque a minha casa tende a ser o precipício. Porque eu tenho medo de escolher. E o medo é a minha escolha. Porque medo é combustível. Porque essa combinação é explosiva. Porque explosões colorem o céu de vermelho. e por que o agonizar da fumaça me abre olhos. É preciso respirar.

na verdade, não há,
Abriu os olhos e viu. A música de nós dois enjoa, o para sempre sufoca. O amanhã não o preocupa. Não há ninguém ao lado, na cama. Não há mensagens. Ele também não precisa de alguém ao lado na cama, não agora. Mensagens só ocupam espaço. Outras mensagens virão. Outras camas também. O amor não foi eterno. Não foi inverdade, tampouco. Dias coloridos não são alegres. A chuva refresca. O beijo não teve sino. A foto envelheceu e grudou no porta-retrato.Tirará outra. Não há trilha sonora. O coração sofre ao som de música ruim, não há notas românticas. O inesquecível fui eu que fiz. E fui eu que te esqueci. Nem tudo sai como nos filmes. Aquele filme fizeram para mim. Não corra no meio da rua, se não for preciso. Jogue-se do Aconcágua se lá embaixo estiver seu coração. Meu coração. Olhos e poças d’água. Diferença? Acho que não. Transportam o céu para o chão. Relaxe. Se o coração parou de bater porque já o fez. Voltará a fazê-lo. Vamos fazer história? Sim, todo dia é dia de glória se você quiser. O mundo não acabou, o amanhã virá, o amanhã aqui está; Na verdade viva, na verdade xingue, grite, morra de amor, de dor, de cansaço, desista, persista. Na verdade chore, ria. Na verdade não se importe. Na verdade viva o amanhã hoje, porque, na verdade, o amanhã não há.

sábado, 1 de maio de 2010

#thepursuitofperfection



E se a perfeição não é desumana, no fim das contas? E se nós é que culpamos a natureza humana por nossas próprias falhas, absolutamente evitáveis? Bem, algumas cobranças recentes têm-me levado a acreditar nisso. Olhe ao redor. Quantas pessoas exigem, demandam aos berros que você não cometa falhas, quantas pessoas se indignam e se surpreendem com a sua imperfeição? Como se ser perfeito fosse a única conduta óbvia para você. Quanta gente ao seu redor reclama, julga, lhe inutiliza verbalmente por um simples e compreensível erro seu? Todas. Mas desculpe-me, eu é que sou condescendente demais com a raça dos homens. O erro nunca é simples, nunca é compreensível. No fim das contas você mesmo já se decepcionou, berrou, e julgou o erro de outros. E, talvez, seja daí que tenha surgido a imperfeição humana, o erro primordial, um único só, que desencadeou todas as outras imperfeições: o erro de não aceitar o erro do próximo. O erro de esquecer que somos todos incompletos, mas que um dia fomos inteiros, em comunhão, quando um simplesmente cobria o erro do próximo, quando um completava o irmão ao lado.
Bobagem. Em inglês, bullshit. Desculpem-me. Ocorre-me agora que esse sistema ideal, jamais existiu. Nós nunca contamos com o erro e nunca contaremos. Nivelamos sempre por cima, sempre esperando nada mais que a perfeição. Condutas corretas com o próximo, ajudar quem precisa, se esforçar para não ter uma mente medíocre, priorizar outras vontades além de sua, saber dividir o pouco que se tem com o mundo de gente ao redor, nada disso importa na verdade, nada disso é suficiente e vale a pena. Porque o mundo de hoje, me desculpem a franqueza, o pessimismo ou o péssimo realismo, exige resultados, e lucro, dinheiro. Para quê importam as pessoas, para que preocupar-se com o que você diz e com a maneira com a qual você fala com seu filho, amigo, irmão, namorado, vizinho? Se ele não dá os resultados que você espera, de que você necessita?
Embora saiba que muitos tomarão por pedantismo, desculpem-me os bons, mas eu mesmo estou agora a perseguir a perfeição. Uma vez tendo eu a intenção de sobreviver nesse mundo de cão e de algum dia possuir algo para chamar de meu, só me resta render-me à esse sistema de resultados exigidos imediatamente, em que a demanda mínima é a perfeição humana. Só me resta aceitar, se eu quiser sobreviver, a idéia de que a perfeição é humana e está ao meu alcance e de que no fim, eu estou sempre por minha conta e risco. Bem, fiquem acompanhando, o mundo pediu e eu atenderei. Perfeição, aqui vou eu. Pelo menos eu ainda não preciso me tornar divino. #medo.