Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Vidro

É tão mais fácil no começo. Leve e despreocupado. Você salta pelo mar de telhados de vidro à sua frente sem olhar para baixo. Você só pensa em quão perto das nuvens você está e se esquece do quão grande você fez a sua possível futura queda. Longe demais do chão. Você é solto, ágil, feliz, desapegado. Você é leve. Os telhados de vidro são como que feitos do indestrutível diamante para o seu peso quase inexistente. Inquebráveis. E, se quebrarem, bom, você não ama o suficiente para que doa de verdade.
Mas então você começa a se apaixonar pelos telhados. Um a um, você demora cada vez um pouquinho mais para deixa-los. Era só uma questão de tempo até que algum deles te parasse de vez. Você olhou para aquele vidro tão belo e translúcido, perfeito em todas as qualidades que um vidro deve ter. Até os arranhões as lascas tiradas pela intempérie davam-lhe uma beleza madura, davam-lhe aquele toque sedutor da experiência. Mas que vidro adorável, você pensou. A perfeita combinação entre o denso e o rústico. Você ficou mais um dia. E foi ficando. E agora já não te é mais possível sair. Está ouvindo o vidro trincar? Sim, você finalmente se tornou pesado demais. Você sabe que deve sair enquanto é tempo. Você sabe que a tragédia está anunciada. Mas, sem explicação, você resolve ficar. Você não consegue sair. Aquele vidro é simplesmente lindo demais.
O som do vidro trincando está ficando cada vez mais alto. Está ouvindo? Eu te avisei. Você vai cair. Agora já se pode ver os primeiros estilhaços caindo com um estrépito lá embaixo. Milhares e milhares de quilômetros abaixo. Você nota, agora, o quão alto subiu? Os estilhaços estão ficado maiores. Meu deus, mais da metade do vidro já se foi. Pule para fora daqui. Pule para o próximo telhado, ainda dá tempo. Não você não vai. Você está perdido. Você ainda quer este telhado, ainda que quebrado. Você vai cair.
A última parte do vidro, por fim, se quebra. E você cai. na velocidade de um meteoro. A gravidade maligna te puxa para ela, sedenta do seu corpo. Voraz e invencível. Você está caindo. Mas está apaixonado pela queda. Você é grato por ela. Você esta voltando pro seu vidro, que te espera lá embaixo. Está voltando pro começo.

domingo, 1 de abril de 2012

Fome

Vamos de semana em semana, você disse.  Sem pressão, sem infinitos prometidos, sem mundos investidos, sem pesos amarrados nas costas.  Perfeito, pensei. Justamente o que eu precisava. Justamente o que eu sempre precisei. O não comprometer, o finito. O não permanente e consequente frescor de infindáveis recomeços. Tudo o que eu precisava para ser o apetite que sempre fui. O permanente, e resolvido, o terminado me assustam. Não tenho fome de nada, porque fome é uma necessidade definida, rotineira, orgânica. O apetite tem a inconstância e indefinição do bom evento psicológico que é. Sim, eu sempre precisei mesmo ser um apetite. O medo em mim de não conseguir abraçar o mundo todo porque perdi tempo acariciando um pequeno detalhe da Criação é maior que o próprio medo da morte. É, em verdade, o próprio medo da morte. A morte para mim não é a morte em si. A morte para mim reside na assustadora possibilidade de que ela me encontre antes  que eu tenha conseguido abraçar o mundo inteiro.
Sim, eu sempre vivi para sustentar meus imensos olhos. Sempre gulosos, sempre insaciáveis, sempre na contramão de minha barriga pequena, limitada, assustadiça, incompetente e temperamental demais para se comprometer com qualquer digestão mais elaborada. Não, digerir sempre foi um aprofundamento impossível para mim e, por isso, me acostumei às indigestões, ao sufoco que meus olhos descomunais e desproporcionais sempre me causaram.
É então que vem você e me propõe alimentar-me às colheradas.  Você vem e me propõe pequenas porções de cada vez . Desafia meus irritáveis e impacientes olhos, permitindo apenas pequenos e ocasionais vislumbres do todo. Do magnifico todo que eu ainda estava por conhecer. Você veio com pequenos acordes de uma voz veludada, pouquíssimos e quase silenciosos versos de musicas tímidas. Veio com pequenos sacrifícios, pequenos cavalheirismos. Veio com pequenas noites. Pequenos momentos de presença. Trouxe ingrediente por ingrediente,  às vezes microscópicos, e submeteu cada um deles ao meu assustável paladar. E quando, finalmente, senti o carnaval de sabores que aos poucos trouxeste até mim, o apogeu dos sentidos trazido por suas pequenas e singelas porções me pôs de joelhos. De beijo em beijo. De primeira vez em primeira vez. De uma em uma semana Foi assim, que você me fez ver que nem todas as semanas da minha vida vão saciar a fome visceral que despertaste em mim. Eu disse fome, veja bem.  O desejo pela rotina de te ter, o desejo pela segurança e confiabilidade da tua presença. Parado ao meu lado, saciando-me regularmente, é como te quero. Sim, isso é fome. O apetite já passou. Dele já não preciso.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sobre seres e pareceres

Não, ele não tem boa sorte. Poucas coisas dão certo pra ele e as mãos em sua vida nada têm de beijadas. Antes, estapeiam-no. Aquele garoto também não tem a menor ideia do que fazer. Colecionador obsessivo de incertezas e um destemido nato na hora de perder a fé. Ele não sorri o tempo todo e sua vida, certamente, não é uma festa. Não vai a tapetes vermelhos, nem é popular. Ele não tem lá muito dinheiro, e também não se importa nenhum pouco com o seu. Aquele garoto também não acha a juventude tão melhor assim e não sabe de onde você tirou que ele um dia quis ser você
Mas aquele garoto não precisa da sua boa sorte. Ele desdenha da sua pretensa popularidade e não deseja viver agonia da sua felicidade constante e atestada. Ele prefere a segurança do atestado de gente. De ser real. De poder sentir a tristeza livre do pânico. Porque solidão é bom. Solidão é você. Ele deseja, sim, um atestado que não se exibe, um atestado que se é. Silencioso. Particular. Real. Seu. Aquele garoto não tem uma fé inabalável, ele cai, e desiste. Só o que lhe é inabalável é a certeza de que cair significa ter que levantar e começar de novo. Um cair é sempre uma chance para levantar de novo. E, quem sabe, desta vez ele possa levantar sem cair de novo. Um levantar permanente, experiente, sofrido.
Aquele garoto não precisa da sua atenção. Ele não passa pela vida fazendo desesperados check-in’s, buscando uma celebridade ausente de mérito pra esquecer da ordinariedade que enxerga em si mesmo. Ele chama atenção, mas chama por ser. Com o parecer ele já não está mais tão preocupado. As gargalhadas dele não são as mais altas e o álcool não lhe é terapia. Fala do que é por ser de sua natureza o manifesto. O discurso. O transbordar. A plateia lhe é dispensável. Ele prefere a pessoa.
Não, ele não é do tipo que fala porque precisa ser ouvido. Antes, fala por que quer se ouvir. Quer se sentir real, materializado. Quer sentir-se objetivo, ao menos uma vez. A verdade é que só lhe é possível ser se for sozinho. Sim, no mundo que ele desenhou a solidão e a alforria nasceram do mesmo ventre. Só na solidão é que realmente se é, somente livre do necessário agradar de opiniões é que pode despir-se do que não é. Por melhor ator que ele seja, anda cansado das fantasias quilométricas que carrega. Anda cansado de carnavais espirituais. Anda farto das pessoas que só aturam o feliz. Cansado de todos esses sorrisos pavorosos que já não conseguem mais se desfazer. Uma tragicomédia apavorante em que se prendeu o mundo em que esse garoto vive. A alegria ostentada não o inspira. Assusta. O humor é plástico e vazio por isso o repele. Os destinos, previamente projetados, sufocam. Por isso não se incomode com ele. Deixe-o em paz que para ele já será o suficiente. Ele não é nada como você. Ele é.