Dreams are renewable. No matter what our age or condition, there are still untapped possibilities within us and new beauty waiting to be born.

-Dale Turner-

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Isqueiros



[just gonna stand there and watch me burn/ but thats alright because I like the way it hurts/ Just gonna stand there and hear me cry/ but thats alright because I love the way you lie/ I love the way you lie.]

[ (...) é sobre o prazer do cansaço dolorido que vou falar. todo prazer intenso toca no limiar da dor. O sono, quando vem, é como um leve desmaio de amor. Morrer deve ser assim: por algum motivo estar-se tão cansado que só o sono da morte compensa. (...) ] Clarice Lispector


Não! Por favor, não pare. Mas eu estou te machucando. Eu sei, só que é maravilhoso o jeito com que isso dói. Você sabe que é doente, certo? Sou sim, positivamente patético. É ridículo se deixar levar pela dor assim dessa maneira, ninguém deveria se entregar tão cega e passivamente a um sentimento só. Quem é alguém pra dizer o que outro alguém deve ou não fazer? Somos só matéria, só essa massa sensorial indiferente. Eu prefiro mesmo doer. Admito. Me ajuda a confirmar que ainda estou vivo. Tu não precisas confirmar que estás vivo, eu te garanto que sim. Quem me garante que tu mesmo estás, ou que não mentes? Por favor, agora já chega, não vou continuar a te machucar. E dizendo isso ela abaixa o isqueiro pequeno de motoqueiro com que queimava a palma da mão do outro. Eu não mandei parar. Mas eu não entendo o seu fascínio pelo fogo. Não há o que entender, eu mesmo não entendo, apenas sinto. Dor? Não é dor, embora seja. É antes beleza e, por isso, dor. O que é belo machuca? É claro. Não compreendo. Olha o fogo. É disforme. Dançante, livre, aleatório. Elegante e, embora quente, frio, impiedoso, avassalador. É terrivelmente belo. É uma catástrofe abençoada, é a glória da destruição. Isso me soa familiar. Somos todos fogo pros que nos rodeiam, o fogo é você. A menina reacende o isqueiro e o levanta à altura dos olhos por um segundo entende o garoto, e o fogo. Por um segundo ela entende que são um só. O fogo e o garoto. Fogo e oxigênio. A meta e o jogador. Entende, mas logo esquece. Quase que imediatamente. Resta apenas aquela leve impressão de reconhecimento, de quando se encontra um antigo colega de infância do qual se têm apenas a vaga impressão de já o ter visto. O menino retoma o isqueiro e volta a queimar a mão. Sua expressão é doentia como a de um viciado. A garota sente pena. Ele está agora de olhos fechados. As lágrimas escorrem. Sua expressão é pura dor, o rosto contorcido. Ela nunca vira tanta miséria. Ela olha para a fonte de tanta tortura. O isqueiro. Ele brilha, prateado. É uma prata limpa, bela. Ela o está admirando por alguns segundos quando a percepção a atinge em cheio. Os soluços continuam, cheios de dor. Só que o isqueiro jaz agora apagado. Viciado na dor, o garoto só quer sentir. Ele abre os olhos. Olha nos olhos da menina. O fogo me faz entender nós dois. Me faz entender, que eu amo o jeito como você mente. Amo o jeito sádico do fogo de me consumir, tecido por tecido. É dor pura. É simples existência. Pura experiência. Vocês, isqueiros, são lindos.

1 comentários:

Unknown disse...

Gosto da intensidade do texto, o jeito que o fogo se interliga aos sentimentos. Parabéns, Lucas, adorei. xD